Livros, música, cinema, política, comida boa. Isso tudo e mais um montão de tranqueiras dentro de um baú aberto.

terça-feira, 10 de abril de 2007

Lucidez

Minha avó vai fazer 94 anos no mês que vem. Talvez não faça. Fui visitá-la, hoje, no hospital. Toda semana ela vai parar no hospital, cada vez por um motivo diferente. A máquina está enguiçando. Toda hora tem que consertar alguma peça.

Ela está super magra, super sensível, super carente. Ela está sem habilidade nos movimentos. E ela está absolutamente lúcida.

A minha vida inteira eu a ouvi dizer que eu era seu neto preferido. Falava isso pra todo mundo. Falava isso na frente dos outros netos. Minha avó sempre foi muito sincera.

Cheguei lá de surpresa. Ela emocionou-se. Tinha mais gente no quarto visitando-a, querida que ela é por todos. Quando ficamos sozinhos conversamos mais à vontade. Conversamos sobre a morte.

É estranho conversar sobre a morte. Uma coisa é falar sobre a morte de uma forma filosófica. Outra coisa é conversar com uma pessoa sobre a sua morte. Não foi uma conversa mórbida e nem foi uma conversa cheia de clichês. Nem eu e nem ela somos dados a clichês. Foi uma conversa serena, mas uma conversa triste. Pra mim e pra ela.

Faz muito tempo que minha avó está doente. Faz muito tempo que ela está magra e com os movimentos limitados. Mas apesar disso, a única imagem que eu guardo dela é a daquela avó gorduchinha, esperta, ativa. Aquela avó que enfrentou o trabalho a vida inteira pra garantir uma vida digna aos filhos. Aquela avó que me defendia, estando eu certo ou errado. E é esta a imagem que, felizmente, eu vou guardar dela para sempre.

16 comentários:

Vivien Morgato : disse...

Eu queria muito comentar. Mas não consigo.........

Marcia disse...

não existe assunto mais difícil do que este. falamos pouco sobre a morte porque ela revela o que não somos: poderosos, fortes, definitivos, eternos. exatamente tudo o que acreditamos ser, e que a morte, sem nenhuma piedade, vem dizer "não é bem assim".

já li aqui, ou em outro lugar, sobre sua relação com avós e bisavós. eu só conheci uma avó, que morreu quando eu tinha dez anos e de quem guardo algumas poucas memórias. mas o ideal de amor que eu tenho é inspirado no que vi em minha avó, e não no que vi em minha mãe. de certo modo, esta é verdadeira eternidade.

Anônimo disse...

Um dos filmes que mais gostei é "Mar Adentro", poucos como ele tocaram nesse assunto com tanta maestria. Mas o tema não tem a ver com sua avó. Acho que a morte, por pior que seja, se supera quando vem dessa forma. Bem ou mal, sua avó viveu. Cabe a nós pensar em nossa própria morte cotidianamente, para que possamos aproveitar a vida da melhor forma. O problema é que pensamos ser imortais e deixamos de fazer e dizer coisas que deveriam ser feitas. Considero que a "morte em vida" (uma separação, o fim de uma amizade) é ainda mais dolorosa. Força aí.

Anônimo disse...

Arnaldo, palavras sobram nesses momentos....Eu sempre tive dificuldade de encarar a palavra morte...mas depois de perder tantas pessoas que amava, aprendi que a morte e somente uma separaçao passageira....porque a vivencia, o amor, as alegrias as liçoes de vida, a sabedoria que essa pessoa passou para ti ficara sempre guardada em um lugar especial na sua vida...
Um abraço carinhoso cheio de energia positiva para ti do outro lado do oceano..
P.S.: O seu post como sempre esta otimo, sem cliches, mas emotivo e sentido.

Anônimo disse...

Noventa e quatro anos... é uma vida longa. Mas, com certeza, se ela estivesse saudável fisicamente, ainda seria pouco, ela não lembraria da própria mote. É da nossa natureza amar a vida, né?
Paz pra você e pra sua avó nesse momento tão delicado...

Clélia Riquino disse...

Com a velhice vem a incapacidade física e, às vezes, mental, que é a pior parte do processo. Enquanto são apenas cabelos brancos, rugas, flacidez, eu encaro! Agora, visão afetada, audição, locomoção, memória, dores, aí a coisa pega. O desconforto físico afeta, de maneira lacerante, o nosso bem-estar geral, nosso humor.

Sua avó é uma pessoa incrível, admirável! Lembro-me dela andando, pra cima e pra baixo, de ônibus, em São Paulo, já aos 70, 80 anos de idade! Muito lúcida, ativa, animada, prestativa. Sincera ao extremo. Adora um jogo de cacheta e um bingo (freqüentava-o, até bem pouco tempo. E tem uma sorte danada, sempre ganha algo!).

Eu a adotei como vó, desde que nos conhecemos. Tenho por ela um amor muito especial.

Sempre gostei desta canção do Gil, bonita e verdadeira (apesar de ser difícil admitirmos):

Então Vale a Pena
Gilberto Gil


Se a morte faz parte da vida
E se vale a pena viver
Então, morrer vale a pena
Se a gente teve o tempo para crescer

Crescer para viver de fato
O ato de amar e sofrer
Se a gente teve esse tempo
Então, vale a pena morrer

Quem acordou no dia
Adormeceu na noite
Sorriu cada alegria sua
Quem andou pela rua
Atravessou a ponte
Pediu benção a dindinha lua
Não teme a sua sorte
Abraça a sua morte
Como uma linda ninfa nua

l disse...

homi... que texto tocante.

Diego Moreira disse...

Arnaldo, minha solidariedade nesse momento de angústia.

A avó de minha senhora, faleceu em janeiro do ano passado, uma semana antes de chegar aos 91 anos de idade. E lúcida, como sua avó.

Quase cega e completamente surda desde os 16 anos, criou 10 filhos e ajudou na criação de 21 netos. Fez a vida valer.

Mesmo sem ser seu neto, convivi 6 anos com ela e já me considerava como tal, já que ela mesma me chamava de 'meu neto'.

Compreendo seu sentimnto. E deixo minha mensagem de paz e meu abraço desejando força.

Graziana Fraga dos Santos disse...

o sentimento que sente por ela a transforma em eterna.
qualquer coisa que aconteça não vai ser capaz de fazer você esquecer de todos momentos que passaram juntos, do grande amor que é o elo de ligação de vcs dois.

lindo texto e bela canção postada por Clelia.
Força!

Senhora disse...

Muito emocionante esse seu texto.
Não sei o que dizer...Beijos

Telejornalismo Fabico disse...

*



essa conversa que vc teve com ela é rara.
mostra uma sintonia única, de quem realmente está em conexão com outro.
fácil não é, pelo contrário, mas ela te deu uma oportunidade de trabalhar um sentimento que vc e ela sabem que é inevitável.

espero que ela consiga atravessar tudo isso da melhor forma possível.

e haja o que houver, a certeza de ter sido tão intensamente amado é uma recompensa única.





*

Anônimo disse...

Arnaldo, já vi seus comentários em vários blogs... no blog do Bruno, no da Eva, no da Cláudia...
Chego finalmente aqui e leio este texto sobre sua avó... Sobre o estado de saúde dela, sobre a relação amorosa e cúmplice de vocês...
Minha vó fez 90 anos há menos de um mês e um pouco antes - em uma época que ela estava bem debilitada, no hospital, senti uma vontade enorme de escrever sobre ela. Mas não que ela estava mal, que estava/está morrendo aos poucos diante de nossos olhos sem que possamos reverter isso... Quis escrever sobre minha vó como ela era no tempo em que eu era criança... Porque é o jeito bom que sempre vou me lembrar dela.
Seu texto tem uma intertextualidade incrivelmente tocante com o meu e quero que, por favor, você leia. http://www.interney.net/blogs/cintaliga/2006/11/15/da_minha_avo
Um abraço.

Anônimo disse...

Boa noite Arnaldo,
Aqui você mexeu comigo novamente, no emocional. Foi muito bom ler um pouco dessa relação avó-neto. Estou sofrendo. Minha última avó vai completar 81 em maio, e está debilitada fisicamente, e com o tal de Alzeimer também, que retirou-lhe quase toda a memória. Minha mãe a acompanha quase diariamente, e diz que em muitas vezes nem da filha ela lembra mais. Eu a visitei em novembro último, no casamento da quarta neta dela, de um total de 9 até o momento, 4 bisnetos e mais um a caminho. Sim, ela provavelmente não conhecerá outros netos e bisnetos. Quero lembrar-me não só dos natais, aniversários, churrascos e festas em família vividos na adolescência, mas principalmente quando morava no Rio e passava férias no sítio da vovó em Pirabeiraba/SC. A gente era feliz, estava com a avó do lado, e devia ter aproveitado mais! Viver a vida é muito bom!
Lembrei de um comentário que o Kurt fez esses dias: de que na Alemanha existe uma geração, que cresceu sem os avós.
Muita Paz nesse momento difícil.

Arnaldo Heredia Gomes disse...

Caros amigos,

Te sido muito bom receber as mensagens a respsito deste post que escrevi a respeito da minha avó. Eu, que tenho uma grande dificuldade em dizer algo confortador às pessoas nesses momentos, estou, também, aprendendo como esse tipo de apoio pode ajudar.

Neste domingo nós a visitamos. Ela já está em casa e ficou muito feliz (além de surpresa) com a visita. Absolutamente lúcida, é bonito ver a forma altiva com que ela está lidando com suas limitações.

Obrigado a todos.

Anônimo disse...

Deixar ir embora é muito, muito difícil. Se é difícil permitir que um ex-amor siga seu rumo... Imagina desfazer os laços de modo mais definitivo.

Eternamente Berenice disse...

Há muitas perdas na velhice, também há ganhos, porém a maior perda é a morte. Será??? Acredito que essa passagem apenas nos afaste temporariamente de quem amamos, e que nosso coração e memória reserve uma esperança de reencontro, acredito sinceramente nesse reencontro. Acredite você continuará sendo o neto preferido de sua vozinha querida.