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domingo, 11 de novembro de 2018

Pensando a solidão

O mais novo livro de Leandro Karnal é um ensaio a respeito da solidão. Dividido em 6 capítulos, ele inicia com uma visão bíblica da origem do homem, ser solitário (e feliz), num paraíso incontestável, até a criação de um novo ser, a partir de sua costela. É só a partir daí que Adão percebe que vivia sozinho, situação absolutamente natural, para ele, até então. Desta forma, passa a ter ideia do que era viver assim, com suas vantagens e desvantagens. O autor identifica, nesse ato do criador, uma censura à solidão, que percebe, também, em documentos de outros credos, como a Torá.

Como em um filme, numa troca de planos rápida, avança até o século XIX, para tratar da figura de Charles Darwin, pai da teoria da evolução, posição diametralmente oposta à mística criacionista. Aos 29 anos, Darwin caminhava para o presumível último quarto de sua vida, já que àquela época, o tempo de vida médio do ser humano não ultrapassava os 40 anos (ele, na verdade, viveu bem mais do que isso). Não era, portanto, o momento de decidir se deveria, ou não, se casar. Contrariando, porém, o costume da época e, refletindo entre prós e contras, ele toma a decisão de casar-se.

Num dos extremos da dicotomia entre fé e ciência, o cientista conclui, assim como o criador do universo, que não é bom que o homem esteja só (que é, aliás, o título do primeiro capítulo). A partir daí, Karnal parte para uma investigação a respeito da validade (ou não) desta afirmação. Para fazer isso, busca, de forma consistente, entender, exatamente, o que seja a solidão. Avança, mais uma vez, no tempo e chega aos dias atuais ao utilizar, para alcançar este entendimento, duas realidades bastante conhecidas de todos nós: o casamento e as relações pessoais nas redes sociais. O segundo capítulo, aliás, em minha opinião o melhor de todos, trata, justamente, deste mundo virtual e intitula-se A solidão entre milhões.

Partindo da observação do cotidiano, conclui que nunca estivemos tão conectados a tanta gente e, ao mesmo tempo, com tão pouca interação real. E, neste caso, interação real não se refere, apenas, aos relacionamentos ao vivo, em carne e osso, com outras pessoas, mas, sobretudo, ao formato que este meio propicia. O principal fator que falseia a realidade na forma de interagir através da rede é a possibilidade de sermos os “donos” da relação.

Adicionamos, curtimos e seguimos somente quem pensa como nós. Em referência àqueles cujas opiniões não coincidem com as nossas temos várias opções: desde ignorar até apagar o contato. Com isso, em lugar de interagir com outras pessoas, estamos, na verdade, interagindo com nós mesmos e, assim, ao invés de evoluirmos, internamente, através da exposição à diversidade de ideias, apenas reforçamos nossos próprios valores e convicções, ao mesmo tempo que sedimentamos nossos defeitos e preconceitos.

Ao analisar o casamento, ele conceitua o que chama de solidão a dois, que é aquela situação pela qual alguns casais passam quando a chama da paixão se esvai. Se a relação se sustentava apenas devido a este fogo, se não havia nenhum outro ingrediente, como admiração, por exemplo, a convivência passa a ser tão ou mais solitária do que a que ocorria antes de encontrar a pessoa amada.

Na busca do entendimento do que seja a condição de estar sozinho, chega a duas definições, parecidas, porém opostas: a de solidão e de solitude.

Em minha opinião, a melhor e mais fácil definição que diferencia estas duas palavras vem do teólogo alemão Paul Tillich:

Solidão expressa a dor por estar sozinho.

Solitude expressa o prazer de estar sozinho.

A partir deste ponto, o autor passa a enumerar exemplos de situações consideradas positivas em estar sozinho. Aborda a falsa solidão que é aquela em que a gente se encontra quando está absorto durante a leitura de um livro. Não há nada de solidão nesta atividade. É justamente nesses momentos que estamos travando um colóquio poderoso com o autor do livro e com o “eu mesmo”, o eu verdadeiro, o outro eu, que, muitas vezes, não conhecemos ou do qual nos escondemos.

Ele recorre, novamente, aos exemplos religiosos para mostrar que os momentos mais importantes das existências de Jesus Cristo, de Moisés e de Maomé, ocorreram quando eles estavam sozinhos no deserto, num monte isolado ou numa caverna.

No quinto capítulo do livro ele elenca inúmeros casos de solidão (e de solitude) presentes nas artes e, sobretudo, no cinema. Aqui, devo ser honesto, não cheguei a ler todo o capítulo, já que me pareceu, mais do que um ensaio produtivo, uma ostentação gratuita de conhecimento cultural. Desta maneira, pulei o capítulo quase no final e fui para o último (o segundo que mais gostei).

Este sexto capítulo, intitulado As solitárias, trata da utilização da solidão como forma de punição nas instituições carcerárias. Demonstra, através de estudos científicos e de depoimentos de vítimas, que a imposição compulsória da solidão pode ser até mais nociva ao ser humano que a tortura física. Aliás, a prática da solitária, como penalidade nas penitenciárias, já foi abolida em quase todo o mundo civilizado. Os Estados Unidos e o Brasil são dois exemplos, porém, de países em que ela é utilizada em larga escala.

O título do livro, O dilema do porco espinho – como encarar a solidão, é uma referência à metáfora, criada pelo filósofo alemão Arthur Schopenhauer, para ilustrar o problema da convivência humana. Publicada como uma parábola em sua obra Parerga e Paralipomena, em 1851, acabou ficando famosa, apesar de ser considerada um texto menor do filósofo. Num ambiente de frio extremo, os animais costumam juntar seus corpos, uns aos outros, para se aquecer e, com isso, ficar numa situação mais confortável. Este conforto, obviamente, não se aplica aos porcos espinhos. Daí o dilema.

Na conclusão do livro, estar sozinho não é, necessariamente, uma coisa boa ou ruim. Pode ser qualquer uma delas ou ambas, dependendo da situação. Solidão ou solitude, a elas todos nós estamos sujeitos. Basta saber como encará-las.


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