Depois de assistir ao leve e delicioso filme O Homem que desafiou o diabo, fomos encarar Tropa de Elite de José Padilha.
Antes de qualquer coisa, devo dizer que o filme, como obra cinematográfica, tem boa qualidade. Tem uma dinâmica ágil, fotografia correta e prende a nossa atenção o tempo todo. A maioria dos atores não tem grande expressão, mas isso evidencia, ainda mais, o talento do protagonista, o excelente ator Wagner Moura, sem dúvida, um dos melhores surgidos nos últimos tempos.
Mas a questão estética e até mesmo a artística é o que menos importa neste filme. Importante mesmo são as reflexões que ele suscita na sociedade. E, neste sentido, o filme tem algumas virtudes e alguns pecados.
A principal virtude é a de fazer uma radiografia na estrutura da polícia militar. Mostrar que a corrupção naquela corporação é o principal motivo para que a violência seja um dos maiores problemas no nosso país. Sim, porque, apesar da história se passar na cidade do Rio de Janeiro, a corrupção que se verifica lá é a mesma em qualquer grande cidade brasileira.
O filme não poupa ninguém. Além de desmascarar a corrupção policial, toma o cuidado de não retratar os traficantes como pobres vítimas de um sistema cruel e selvagem. Sim, nosso sistema é cruel e selvagem e os traficantes colaboram pra isso. E não poupa a classe média, seja quando está engajada em algum programa social numa ONG qualquer, seja quando está consumindo as drogas que alimentam o tráfico.
O eixo central do filme é o retrato de um batalhão especial da polícia, o BOPE, do qual, um dos oficiais assume a narrativa em primeira pessoa. Com isso, humaniza a corporação, o que é até bom, mas esquece-se de humanizar as outras protagonistas da história, como a PM, os traficantes, a classe média, e reside aí, um de seus pecados, já que estes são retratados de forma maniqueísta. Mas o filme, a meu ver, não trata os soldados do BOPE como heróis. E é essa a confusão que está se fazendo a seu respeito. O fato de uma narrativa ser feita na primeira pessoa não significa, necessariamente, que esta seja a posição de seu diretor. Quem está fazendo isto é uma parcela da sociedade. Isto sim é que é grave. E está heroificando este batalhão, baseada num discurso de que nele, não há policiais corruptos, todos são honestos. Mas nesta história não há heróis. Não há para quem torcer.
Antes de qualquer coisa, eu não acredito que haja uma corporação da polícia que esteja imune a ser corrompida, mas, mesmo que isso fosse verdade, o fato de não corromper-se não é suficiente para arrogar-se de honesto. E é isto que o filme, talvez até sem querer, acaba mostrando em relação ao BOPE. Nele, nenhum dos policiais do batalhão é corrupto, mas todos praticam a tortura para obter confissões, todos participam, ou são coniventes com execuções sumárias de bandidos, mesmo que estes já estejam dominados. Estes policiais, no filme, acreditam que agir fora da lei é justificável para combater o crime. Mas não é.
O crime tem de ser combatido com repressão. Não há outra maneira. Mas deve ser reprimido de acordo com a lei. Quando um policial age fora da lei para reprimir uma ação criminosa, ele iguala-se ao criminoso e até o justifica. E quando o filme mostra a ilegalidade na ação do BOPE, acaba desmascarando sua atuação, derrubando o discurso do narrador da história e abrindo caminho para destruir sua heroicidade.
E é aí que a coisa adquire o aspecto mais perigoso. É que uma boa parcela da sociedade não desabona este comportamento desta polícia. São pessoas que embarcam num discurso simplista e aplaudem ações como esta, mesmo que baseadas na ilegalidade. E a oportunidade que o filme dá pra que esta reação aconteça é, possivelmente, seu maior pecado. Sim, pois o filme é muito simplista, o que acaba fechando a porta para outras reflexões, outras conclusões. Uma delas, sempre desprezada quando se fala em tráfico, é discutir quem é, realmente, que ganha o grosso do dinheiro com este negócio. Sim, porque o negócio é milionário e é muita ingenuidade pensar que sejam os chefes dos morros, aqueles que ganham mais dinheiro com ele. Não. Os verdadeiros chefes deste negócio não moram em barracos. Devem morar na zona sul ou na Barra da Tijuca.
Apesar de tudo, o filme deve ser visto pelo maior número de pessoas possível. É bom que seja. Mas é bom que as pessoas tentem tirar suas próprias conclusões. Se for pra receber a conclusão concebida por outro, se querem que a coisa venha já mastigada, então é melhor que economizem seu dinheiro e fiquem em casa assistindo o Fantástico.
22 comentários:
Que coincidência. Eu e meu namorado também fizemos exatamente esta sequência de filmes nesta semana.
As impressões sobre o "Tropa" é a mesma: não há herois, não há salvação.
Arnaldo, recebi, sem pedir, uma cópia pirata do tropa de elite debaixo do tapete da porta da minha casa.
Já vi o filme uma 5 vezes e não deixarei de ir ao cinema para 'formalizar' as coisas.
Como você deixou claro, o filme não poupa ninguém. Nem mesmo o Bope. Mas a sociedade em pânico acha que é exatamente disso que precisamos. De uma Tropa de Elite, que acabe com o narcotráfico, não importando os métodos utilizados.
O tapa na cara do favelado está sendo aplaudido de pé e aos gritos de "Caveira!". Mas, como diria o sensato delegado Helio Luz: "e se fosse na cobertura da Delfim Moreira, no Leblon?"
O tapa na cara seria violência excessiva, como diriam os estudantes da turma do Aspirante Matias.
O filme é perigoso. Trata o Bope como uma polícia paralela, o que realmente é, e dotada de "superpoderes" diante dos policiais comuns. Tenho alunos de vestibular querendo se alistar para o Bope e tornar-se um capitão Nascimento. O Bope sobe o morro de preto e mata traficante. Do mesmo modo fazia a "SS", tropa de elite do nazismo, matando comunistas na alemanha dos anos 30.
O filme é perigoso pois permite, por ser superficial, essa interpretação por parte da sociedade, cada vez mais fascista, que vê o Bope como um batalhão de heróis, esquecendo-se da lambança feita pelo mesmo batalhão no assalto do ônibus 174.
Aliás, disseram-me que o comandante daquela operação desastrada foi o Matias.
Desculpe as delongas e abraço!
Foi a Cê que sugeriu a sessão dupla, no sábado à tarde, e nós aderimos à idéia! Acho qu'ela já enfrentou, inclusive, sessão tripla com a gente, mas é, mesmo, cansativo...
Já disponho de pouco tempo para ir ao cinema. Quando eu e meu marido conseguimos deixar as crianças com alguém, já é uma glória. Que dirá assistir sessão dupla ou tripla.
Mas, enfim, já ouvi e escrevi sobre a Tropa de Elite também (no meu blog BOX DE IDÉIAS), apesar de não ter visto o filme.
Adorei o que vc escreveu sobre o filme e as reações distorcidas dos espectadores, que elegeram Capitão Nascimento um herói.
"Nesta história não há heróis. Não há para quem torcer." Faço suas as minhas palavras.
Bjs,
:D
concordo sobre a visão simplista... depois de ver o filme parei e pensei, pra onde vamos? não há solução? realmente não poupam ninguém, mas é perigoso as pessoas endeusarem o bope, perigoso mesmo...
lembrei muito dos filmes sobre ditadura militar vendo as cenas de tortura...
as pessoas andam em pânico e querem mais que a violência termine, por isso aplaudiram tanto o bope que é mostrado no cinema....
Concordo plenamente.
Concordo com seu comentário no meu blog!
Não vi Tropa de Elite ainda, estou esperando chegar no cinema daqui.
Eu já fiz sessão quintupla uma vez com meu namorado em Salvador e no outro dia foram 4 , em pleno carnaval. Foi uma delícia, cansativo, mas muito bom. Depois pegamos o onibus direto do cinema e voltamos 560 km para nossa cidade.
Como sempre, uma análise muito lúcida. Parabéns. Concordo com o q disseste.
Abraço
Arnaldo, obrigada pela visita! Vim retribuir, e gostei muito do que encontrei aqui no seu blog!
Muito bom mesmo o que escreveu sobre o filme. Tive a mesmíssima visão ao assistir nesse final de semana. Não, não vi antes da estréia no cinema, por pura falta de tempo e porque, prefiro sem sombra de dúvida, relaxar no cinema pelo menos uma vez na semana, do que pegar um dvd e assistir em casa todos os dias.
Destaque para Wagner Moura e sua narrativa!
Polêmico e bem feito.
Ficção e realidade!
Humanização presente da personagem mais forte à mais vulnerável.
Opção válida.
:-]
Ainda não vi.Fico meio temerosa com as reações que podem surgir, como a que o Diego citou.
Me lembro da visão que os "justiceiros" tinham , quando eu morava no Rio....e acho muito perigoso que essa visão atinja outras parcelas.
Depois que eu assistir, comento.
Ainda não fui ver no cinema... mas as poucas cenas que vi pela internet me fizeram passar mal. Não sei se é porque é bem próximo da realidade que vivo no meu trabalho, mas fiquei muito tocada mesmo...
Arnaldo,
Não vi o filme, e sei que a Edi não vai querer ver. Talvez em DVD daqui uns tempos. Pelo que captei a respeito, as críticas da mídia e os comentários nesse sempre excelente blog, lembrei novamente da década de 70 no Rio. Alí, vivendo da infância pra pré-adolescência, lembro de um justiceiro conhecido como "Mão Branca", que atuava na baixada Fluminense e que apesar de matador de bandido era procurado pela polícia. Com certeza muitos o tinham como herói...
Bacana a sua crítica.
Também tenho a mesma impressão sobre o filme, com exceção de que gostei muito das atuações de Caio Junqueira, André Ramiro e Milhem Cortaz.
Linkei esse post a minha crítica.
Se quiser dar uma conferida, pode acessar meu blog.
Bom, há muitas questões em que me coloco de maneira insensível, é verdade... Mas vejo a reação do público ao Tropa de Elite como aquilo que já falamos uma vez: uma reação a uma ação de igual força. Talvez se estivéssemos na Suíça (ou qq outro exemplo de país), o público não reagiria da mesma forma. Isso tudo é uma resposta ao que está aí. Se o filme não retrata outros "lados", é porque filmes não têm obrigação de mostrar todos os lados. É filme. Conta uma história. E nem sempre a história agrada a gregos e troianos, porque todo mundo tem sua versão dos fatos. Nesse caso, é uma história baseada em fatos. E todo mundo sabe disso... Por isso a reação do público. Por isso a sede de vingança.
Os policiais do BOPE, à época, realmente não se corrompiam. Aliás, eles chegaram a matar colegas por isso (ironia: integridade acima da vida?). Mas hoje, já são corruptos também. Porque vivemos num país em que o "mal" domina o "bem", em que a lei não funciona, não serve pra nada, só pra defender bandidos. Exagero? É a pura verdade. Bandidos, em todos os níveis, estão soltos, vivem com regalias, fazem suas próprias leis.
Violência não é a resposta. Mas, num país abandonado como o Brasil, com educação, saúde e segurança em níveis vergonhosos, que resposta dar ao total desprezo, desrespeito, descaso que sofremos calados? Calados porque não podemos abrir a boca para apontar um erro. Calados porque não podemos ser honestos, seguir as leis e fazer o bem. Atitudes assim são punidas com tortura psicológica, ameaças, violência física e moral.
As escolhas de cada um têm conseqüências. Escolhi o caminho que acredito ser o certo, do bem, com honestidade e respeito. Mas estou longe de ser a cidadã perfeita, o ser humano perfeito. Nem tenho pretensão de ser. Consciente do estado em que se encontra esse país e da total desconsideração que as pessoas têm pela vida alheia quando buscam seu próprio prazer, não consigo evitar o regozijo ao ver uma cena em que um bandido ou um playboyzinho viciado apanham. Reflete a minha realidade também.
Nisso tudo, acho triste o país ter sido dividido entre os pobres e a "elite". Não faço parte de nenhum dos lados. Acho que é por isso que, quanto mais faço minha parte e reclamo, mais eu tomo na cabeça.
Assisti recentemente duas entrevistas com o Padilha, a primeira no Roda Viva e a segunda, no Marília Gabriela Entrevista( nesta, em conjunto com o ex-capitão do Bope e roteirista do filme, Rodrigo Pimentel).
No Roda Viva, o que me chamou a atenção foram as técnicas por ele utilizadas, como por exemplo a dinâmica das filmagens, que segundo ele, tem a proposta de "despejar" o maior número de informações possíveis para o público, com intevalos curtos entre elas, para que os mesmos não tenham tempo de refletir durante o filme, e que simplismente "vivam" os personagens e as situações. Guardando as conclusão para o pós- filme.
Já na entrevista da Marília, ficou evidente a divergência de opniões entre o diretor (Padilha) e o roteirista (Rodrigo), com relação ao Bope.
Será que esse pode ser um dos motivos do filme causar tanta discussão?
Em suma, concordo contigo e acho o Tropa de Elite um bom filme.
Lilith,
Foi, de fato, muita coincidência, termos visto os mesmos filmes num mesmo dia. Mas acho que foi melhor assim. Ver um filme bem leve e o outro mais pesadão.
Diego,
Concordo contigo que o filme “permite” tudo isso que você colocou em seu comentário, mas não acho que seja o melhor caminho, evitar fazer filmes que permitam isso. O cinema não deve ser instrumento de educação. O cinema (como toda manifestação cultural) deve ser livre. A sociedade é que deveria ter mecanismos (via estado ou não) para ficar imune a esses perigos. Também li que houve muitas manifestações fascistas no cinema. Mas ainda acho que o filme não é fascista. Fascista é uma parcela da nossa sociedade.
Clé,
Precisamos voltar a fazer as sessões duplas, como fazíamos antigamente. Pena que em Campinas não tenhamos tanta oferta de filmes interessantes quanto tínhamos em São paulo.
D,
Lembro-me, quando nossa filha nasceu, ficamos 1 ano sem ir ao cinema. Isso, para um casal de cinéfilos que sempre fomos, pareceu a morte. Assim que ela fez o primeiro aniversário conseguimos encontrar algumas baby siters de confiança para voltarmos à telona.
Grazi,
As pessoas já endeusam o Bope muito antes do filme. Aliás, já endeusaram o exército na época do golpe, o esquadrão da morte, O FHC e até o Lula. Há pessoas que sempre ficam esperando, inertes, salvadores da pátria. Não sei se há solução ou qual será a solução. Só sei que, se houver, não virá sozinha. Se a gente não se mobilizar, nada acontece.
M. do Carmo,
Sessão quíntupla eu nunca fiz. Acho que não tenho preparo físico pra isso. E andar 560 Km pra ir ao cinema, também nunca fiz uma esprepulia dessas!
Perla,
Obrigado.
La belle,
Raramente vejo filmes em DVD. E quando vejo, na maioria das vezes eu durmo. Gosto mesmo é da telona.
Eli,
Wagner Moura, sem dúvida, é o que há de melhor no filme.
Vivien,
Na sessão que nós vimos o filme, não houve nenhuma reação do público que fosse perceptível. Acho que vale a pena ver.
Cláudia,
O que é retratado no filme é bem próximo da realidade de todo mundo que vive em uma cidade grande brasileira.
Alex,
A periferia de São Paulo é cheia de “justiceiros”. Só que de justiceiros não tem nada. Assim como aconteceu no passado com o esquadrão da morte, esses caras fazem a “justiça” de quem lhes pagar uma bela grana. E aí, pouco importa se o cara é mocinho ou bandido.
Diogo,
Eu, realmente, só consegui ver a atuação do Wagner Moura. Eu fui lá no seu blog. Muito bom. Muito técnico, aliás. Não entendo nada daquilo. De cinema, só entendo de sentar na poltrona e assistir o filme.
Dani,
Já discutimos isso numa outra oportunidade. Entendo a sua postura e a respeito. Só não concordo com ela. Mas não sou uma pessoa que faça questão de concordância. Alias, acho que a discordância é que enriquece as pessoas.
Robinho,
Vi o diretor num programa sobre futebol na ESPN Brasil. E lá, quando foi questionado, ele deixou muito claro que discorda dos métodos do Bope. E acho que o filme deixa isto claro, também.
Eu, pelo menos, aprecio muito essa discordância :o) Ainda mais tendo a compreensão de que seguimos para um mesmo ponto, mas por caminhos bem diferentes. Assim fica legal, não?
bjs
ENGRAÇADO, COMO O POVO BRASILEIRO AMA DEFENDER BANDIDO. O QUE VOCÊ QUER? QUE DEIXEM O BANDIDO PRESO 5 DIAS E DEPOIS SOLTEM ELES? VAMOS ACORDAR!!
Não, caro anônimo. Eu quero que o bandido seja preso, julgado e, se for condenado, que cumpra a pena que lhe for imputada. Só que eu quero que isto seja feito, absolutamente, dentro da lei. Só assim, seguindo a lei é que se poderá diferenciar os "bandidos" dos "mocinhos". Sem cumprimento à lei, são todos bandidos.
Uma dúvida: Você não faz parte do "povo brasileiro"? Por que o trata na terceira pessoa?
Vi e gostei. Veja a resenha do Idelber. Ele conseguiu falar exataemnte o que eu ia dizer, por isso ainda não escrevi.
Goyaba,
Gostei muito do "Tropa de Elite". Fiquei impressionada apesar de nada ali ser novidade.
Kátia
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