A primeira coisa interessante com que se depara ao ler o livro Intimidades, organizado por Luisa Coelho, é uma comparação entre erotismo e pornografia.
Ela começa sua análise reconhecendo que estas definições têm variado ao longo do tempo, de acordo com a ideologia de quem as profere e com o contexto em que elas estão inseridas. Sem nenhuma análise de juízo moralizante, conceitua a pornografia como um discurso em que a descrição do corpo nu ou a utilização de suas partes no exercício do ato sexual é feita com o único objetivo de produzir a excitação de uma pessoa. O discurso pornográfico torna o ato sexual transparente, em que o sexo surge sem relação com o sujeito. O discurso pornográfico, segundo ela, apresenta uma sexualidade sem mistério, sem intimidade.
Já o erotismo trabalha as diferentes formas dos mitos e fantasmas dos seres humanos. É um discurso que encara a sexualidade como não sendo apenas confinada ao sexo, mas envolvendo uma história, onde se inscrevem as relações que se estabelecem entre o desejo e o interdito, o encontro e o desencontro, o prazer e a dor, o sonho e a realidade, o amor e a morte. Apesar de concordar, de forma geral, com essas definições, eu tendo a não supervalorizar o erotismo em detrimento da pornografia. Na verdade, não tenho nada contra a pornografia. Acredito que, enquanto qualquer manifestação artística de erotismo tenha a capacidade de nos proporcionar prazer, uma obra pornográfica pode também alcançar esta façanha. Por sua típica pobreza de enredo e de substância, qualquer manifestação de pornografia acaba exigindo muito mais criatividade para extrair alguma satisfação consistente. E é justamente aí que pode residir uma fonte, ainda que indireta, de prazer. Pois neste caso, ao invés do prazer que obtemos ao ler um texto erótico, a história que nós mesmos criamos, a partir de um objeto pornográfico (seja ele um filme, uma foto de revista, um conto) é que vai nos propiciar esta sensação. E o prazer de estar criando esta história, isso por si só, já nos satisfaz.
Satisfação, aliás, é o que pode ser conseguido com qualquer obra de arte, erótica ou não. O prazer se manifesta de muitas maneiras. E, apesar de reconhecer muitas outras funções da arte, é a geração de prazer aquela que mais me toca. É a mais básica.
Foram as revistinhas de Carlos Zéfiro (os chamados catecismos) que forjaram a sexualidade da minha geração. Na época, eram absolutamente proibidas e consideradas maleficamente pornográficas. Seu autor as publicava num esquema de completa clandestinidade, temeroso de ser descoberto e sofrer os rigores da lei. Mais tarde, muito mais tarde, descobriu-se que se tratava de Alcides Caminha, um funcionário público carioca, parceiro de Nelson Cavaquinho em dois ou três ótimos sambas. Hoje, estas revistas são consideradas obras de um universo cult. Hoje, são objetos de arte erótica. Tudo muda. Muda com o tempo, muda como as pessoas mudam.
Voltando a falar do livro, ele tem a interessante característica de reunir contos eróticos escritos apenas por mulheres. Escritoras brasileiras e portuguesas. E aí, podemos nos deparar com a maneira com que as mulheres escrevem erotismo. É diferente da dos homens. E as mulheres portuguesas escrevem de maneira diferente das brasileiras. Toda diferença enriquece. Viva a diversidade!