Livros, música, cinema, política, comida boa. Isso tudo e mais um montão de tranqueiras dentro de um baú aberto.

sexta-feira, 25 de junho de 2010

Elogio à liberdade

Dentre todos os personagens dos livros de Jorge Amado, Quincas Berro d’Água é aquele que mais me convida a refletir sobre a liberdade. Não falo da liberdade coletiva, a liberdade de um povo oprimido por nenhuma ditadura sangrenta ou burocrática. Falo da liberdade individual, aquela mais egoísta possível, a que cada um de nós, intimamente, se não a busca, sonha com ela.

A gente passa a vida toda se adequando, tentando se encaixar num mundo que nos acolha, que nos aceite, que nos trate bem. E nessa tentativa, acabamos correndo o risco de nos anularmos, de ceder tanto, que passamos a ser parte de um processo automático, engrenagem de uma máquina velha e ultrapassada. Fazemos isso quando aceitamos, de bom grado, tudo aquilo que se nos oferece, sem questionamentos, sem crítica. É o lazer estereotipado que nos impinge a televisão, o consumismo ao qual nos condena o mercado, a vida tacanha que, por vezes, aceitamos, em troca de uma ilusória sensação de segurança ou conforto.

Quantos de nós não sonha em romper as barreiras da comodidade e se aventurar num mundo desconhecido, como fazíamos quando éramos crianças. Uma vida livre, repleta de perigos e satisfações plenas, como as tardes de ócio e os amores proibidos.

Tudo isso me veio à mente, ontem, assistindo ao filme de Sérgio Machado, Quincas Berro d’Água. Um personagem que encarou a liberdade de forma radical, com a fuga das amarras da vida social e da família, o mergulho na cachaça, a vida em meio à putaria. O que pode mais querer uma pessoa sã?

O filme traz uma trinca de atores excepcional. Paulo José, no papel do protagonista, consegue dar vida ao morto, desempenhando a função sem nunca abrir os olhos. Sua voz permeia a narrativa o tempo todo, num compasso dolente, mas feliz, ao mesmo tempo. Consegue passar a sensação de uma vida vivida em estado de verdadeira alegria, numa Bahia real, sem ter de apelar pra nenhum sotaque forçado, gaúcho que é.

Marieta Severo está impecável, o que já é um lugar comum. Não tenho dúvidas que é, hoje, a mais competente atriz brasileira.

E, completando a trinca, uma atriz pela qual nunca tive qualquer interesse, Mariana Ximenes exibe uma surpreendente expressividade e está insuportavelmente bonita no papel. Durante o filme todo, transpira sensualidade, sem uma cena, sequer, de nudez.

A história contida em A Morte e a morte de Quincas Berro d’Água é um alerta para que todos nós questionemos o rumo que estamos dando às nossas vidas, um aviso dos riscos que corremos de sermos condenados à infelicidade, um elogio à liberdade.
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