Livros, música, cinema, política, comida boa. Isso tudo e mais um montão de tranqueiras dentro de um baú aberto.

terça-feira, 23 de janeiro de 2007

Os Livros


Não sou muito afeito a fazer transcrições. Acontece que esses dois trechos que transcrevo abaixo, falam de uma forma tão semelhante ao que eu penso e sinto em relação aos livros, que é como se eu os tivesse escrito, se talento pra isso eu possuísse. São dois textos extraídos da entrevista do escritor Salman Rushdie, no livro Contestadores, de Edney Silvestre:

Existe uma coisa que se pode fazer com um livro, que não se faz com mais nada: estou falando de intimidade, no sentido de uma ligação direta de alguém com o mais profundo interior de outro ser. É a capacidade de se transportar, e deixar que você participe daquilo que está lendo. Você cria as imagens; não foram criadas para você. Você lê os diálogos e ouve as pessoas falando, imagina os sons. Essa participação na literatura é única. E a facilidade de ler: pode fazê-lo na cama, na banheira, na praia, pode cuidar mal do livro, dobrar as folhas, sublinhar frases. Tudo isso, em minha opinião, é a comunhão íntima que as pessoas necessitam e apreciam. Vão continuar querendo isso. É assim que os livros mudam o mundo. Não acontece como na política.

(...) o que sempre acontece com os livros é algo mais profundo. Vamos dizer que quando lemos, amamos. O livro nos modifica. De uma certa forma, uma parte dele ficará conosco para sempre. Ele se torna um pouco do que somos. Assim, os livros mudam o mundo. Eles mudam seus leitores, um de cada vez. E não necessariamente da mesma forma, porque o que me afeta pode não afetar você, no mesmo livro. Por isso é uma coisa tão radical e perigosa, e por isso os tiranos tentam destruí-los, porque é a comunhão íntima de mentes que muda radicalmente a consciência humana.

2 comentários:

Aleksandra Pereira disse...

Oi, Arnaldo, em um dos ensaios da Marina Colasanti, acredito que no "Fragata para Terras Distantes", ela diz assim:

“Quando menina, e mesmo depois quando jovem, lia como se descesse as corredeiras num bote. Deixava-me levar, jogada de um lado a outro pela narrativa, transportada, na espera ansiosa da cachoeira que a qualquer momento despencaria comigo, assombrando meu coração. Eu não usava lápis, jamais teria ousado riscar um livro, por meu que fosse. E isso, não pela sacralidade do livro, mas porque não me passava pela cabeça que me fosse permitido, que me fosse devido interagir diretamente com o texto – a palavra interagir sequer se usava. A idéia de que a minha opinião pudesse ter lugar, e valor, ao lado daquilo que havia sido escrito pelo autor não me aflorava. Quando passei a usar lápis, tornei-me outra leitora. Ou melhor, quando me tornei outra leitora, passei a usar lápis. Não desço mais, entregue, nas corredeiras. Sou seu vigilante. Analiso a força das águas, sua direção, sua profundidade. Meço a transparência, procuro o que nela se move. Vou, sim, com ela, e me encanto, e me deixo molhar pelas espumas. Mas a qualquer remanso indevido, a qualquer turvação, minhas orelhas se erguem atentas, meu lápis se apóia na margem. Anoto, controlo. Por um instante não estou sendo levada, botei um pé para fora do bote. Tornei-me interlocutora do autor. As margens às vezes são estreitas demais para as conversas que tenho com ele. E me acontece fazer uma crítica, ir adiante, ver que a crítica não se justifica, voltar atrás e apagar o que eu havia anotado. Como se pedisse desculpas ao autor pela falta de confiança. Não estou mais lendo sozinha como lia. Estou lendo por cima do ombro dele.”

E assim vamos os amando, e nos modificando. Excelentes trechos. Me devo a leitura do livro do Edney.

Beijo grande.

Vivien Morgato : disse...

"comunhão íntima"...exato, perfeito.;