Livros, música, cinema, política, comida boa. Isso tudo e mais um montão de tranqueiras dentro de um baú aberto.

domingo, 12 de julho de 2009

Conflito e serenidade

Horas de verão é um filme, acima de tudo, simples. Simples como a vida pode ser.

O enredo trata da partilha de bens entre 3 irmãos após a morte da matriarca da família. Embora esta sinopse possa sugerir uma teia de intrigas e conflitos mal conduzidos, o que se vê na tela é uma verdadeira aula de como é possível lidar com desavenças de forma serena, quando essas desavenças ocorrem entre pessoas que se amam.

O ponto central do filme (e dos conflitos) diz respeito ao valor das coisas, dos bens materiais. Este tema me é bastante caro, pois é esta a razão do maior conflito entre eu e a Clélia. Na verdade, é o único. Explico: eu e ela temos maneiras absolutamente antagônicas de lidar com coisas e objetos. E não falo em relação a bens de valor material e sim sentimental. Enquanto ela é apegada às coisas, quer guardá-las e preservá-las, eu me apego a elas enquanto enxergo uma utilidade clara e objetiva. Vejamos os livros, por exemplo: tenho uma total paixão pelos livros não lidos. Aqueles que estão na estante, à espera de uma oportunidade de entrar na minha lista dos próximos a serem lidos. Enquanto ainda são virgens da minha leitura, nutro por eles um carinho e atenção quase pessoal. Eu os namoro e anseio pelo dia em que passarão alguns momentos em minha companhia. Assim que termino de lê-los, entretanto, passam a não ter mais nenhuma importância pra mim. É como se eu sugasse deles tudo o que posso e, depois, passassem a ser matéria morta, sem importância. Por mim, depois de lido, um livro pode ser dado, vendido, jogado à fogueira.

Tenho uma fixação exagerada pela utilidade das coisas, como se algo só pudesse ser importante se a sua utilização tivesse uma finalidade muito clara, objetiva, fundamental. E é por isso que tenho tanta dificuldade com os objetos de decoração. Tenho extrema má vontade com os enfeites, as coisas que só servem para embelezar um ambiente. Até consigo ver e beleza num ramo de flores, mas não consigo enxergar beleza nenhuma num vaso que esteja vazio. Mesmo que seja um objeto de arte. Antes de comprar qualquer coisa deste tipo, a pergunta que me faço é: pra que é que serve?

Voltando ao filme, é dessas duas maneiras de encarar as coisas, os objetos, os bens (até os mais valiosos) que ele trata. E mostra que as duas maneiras possíveis, com apego ou com desprendimento, são naturais e honestas. E mostra, sobretudo, que pessoas com modo de encarar esta questão de maneira distinta, podem lidar com essa diferença e esse conflito de forma serena. Basta que se amem.
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2 comentários:

Vanessa Dantas disse...

Assisti esse filme possivelmente na Mostra passada. É muito bom! E me identifiquei um bocado com ele, pois somos em três irmãos, e sou a única mulher.

Sou apegada, e tenho afeto às coisas. Eu seria do tipo que faria de tudo para não desfazer daquela casa - do filme. Lembro mais dela do que do filme em si. Faz tempo...

Bj.

Eli Carlos Vieira disse...

Assisti essa semana.
Gostei dele, apesar de considerar a abordagem um pouco fria e sem grandes atuações.
Acredito sim, que por se tratar de uma questão passível a qualquer um (de escolhas a princípio difíceis), o longa conquista pela simplicidade, mas mostra também toques um tanto quanto simplistas, como o final bastante previsível.
Gostei das imagens. Claras, bucólicas e nostálgicas, cheias de arte, de verão.
Um aspecto muito interessante, que diferencia o filme de outros sobre heranças, é a questão da inversão de papéis: a mãe, consciente da não possibilidade de os filhos perpetuarem seu acervo, orienta o mais velho a vender tudo; já o filho, na orientação de vender o casarão antigo, luta a todo custo contra, querendo manter tudo e preservar o acervo e repassar aos netos (quando normalmente os filhos não veem a hora de se desfazer do bem e adquirir um moderno apartamento).

A trama é válida. Faz pensar e se colocar no lugar, sobre essa questão de valores, tanto de objetos que carregam forte carga emocional (e com eles, passagens de vida, lembranças de pessoas) e os artigos que valem furtunas invejáveis (que seriam mais valorizadas por instituições de arte).

Abração Arnaldo.