Livros, música, cinema, política, comida boa. Isso tudo e mais um montão de tranqueiras dentro de um baú aberto.

segunda-feira, 13 de julho de 2009

Nossa vida com graça

Eu nunca me atrevi a escrever um romance, pois tenho a forte convicção de que não conseguirei chegar perto de um Saramago ou de um Cony. Na juventude, cometi poemas e letras de música, mas como não me equiparava a um Drummond nem a um Paulo Cesar Pinheiro, resolvi desistir. Os contos que tenho escritos estão absolutamente inéditos, pois não são da mesma casta dos de um Machado de Assis.

Sendo assim, o que me permito mesmo é escrever estes textos publicados no blog que, na falta de uma classificação mais apropriada, eu poderia chamar de crônica. Melhor não. Afinal, estes rabiscos não chegam aos pés de crônicas de um Rubem Braga ou um Paulo Mendes Campos.

Vida de cronista, ao menos os mais famosos, tem seu lado ruim e seu lado bom. O lado ruim é a obrigatoriedade de escrever todo santo dia uma crônica diferente. Já li muitos deles reclamarem desta ditadura. O lado bom é que a maioria deles, depois de ter suas crônicas publicadas em jornais e revistas, acaba lançando livros reunindo seus melhores textos, ou seja, fazem um mesmo trabalho servir pra dois propósitos. Cansei de comprar livros do Ubaldo, do Veríssimo, do Loyola e, ao lê-los, descobrir que mais da metade das crônicas não eram inéditas pra mim.

Foi por isso que fiquei com um pé atrás quando comprei o livro Cem melhores crônicas (que, na verdade, são 129) do Mario Prata. Fiquei bastante satisfeito ao perceber que não tinha mais do que 2 ou 3 que eu já havia lido. Mais satisfeito ainda, ao perceber que este escritor está no mesmo nível daqueles que eu citei anteriormente. Muito gostoso ler suas crônicas, li seu livro em um piscar de olhos.

O Mario Prata tem o dom de ser engraçado sem ser um comediante. Ele não fica tentando fazer graça. Sua graça é natural e flui principalmente quando fala das coisas mais banais da vida. Ao constatar como a vida é banal e, mais, ao nos mostrar como a nossa vida é banal, acaba nos mostrando como ela é cheia de graça. Ler Mario Prata, portanto, é uma forma de achar graça na nossa vida, por mais que ela pareça tacanha. É um livro tão prazeroso, que deveria ser classificado como um livro de auto-ajuda.

5 comentários:

Eli Carlos Vieira disse...

Mario Prata é mesmo natural, sem forçar nada.
Lembro que li também em um piscar de olhos "Minhas Mulheres e Meus Homens", assim que o ganhei da Bá. Natural, belo, cativante, na medida.

Abração!

Clélia Riquino disse...

Mario Prata é ótimo! Do livro que você citou, Eli, adoro a história da Aninha, lembra?:

ANINHA DE FRANCESCO, criança (Jundiaí, 1986)

Tinha dois anos e meio, cabelos cacheados loiros, olhos azuis. Olavo Bilac diria que era uma boneca. Foi quando a Cíntia, a mãe, minha cunhada, casada com o Moreno, irmão da Luciana De Francesco, resolveu cortar um pouco daquele cabelo. Pegou uma enorme tesoura que apavorou a indefesa criança.

A Aninha, aterrorizada, sai correndo pela casa e a mãe atrás, com a tesoura. Depois, com muito jeito, foi explicando.

_ Não dói, filhinha. São só dois dedinhos, prometo.

A menina, chorando, abre as mãozinhas trêmulas, olha para os dedinhos:

_ Quais?

[extraído de “Minhas Mulheres e meus homens”, Mario Prata, Objetiva, 1999]

beijo,
Clé

Eli Carlos Vieira disse...

Sim, Clélia! Um dos mais cativantes dele. Tem um outro que achei também hilário (até o transcrevi para meu blog, uma vez, sob o título de Cotidiano)!
Bem, tudo ocorreu em uma cena de elevador, com Prata e Toquinho (não me recordo do título agora):

"Estamos nós dois no elevador do prédio dele, nos Jardins. Nós dois e um garotinho que acaba de entrar. Uns cinco anos. Mal alcançava o número seis. Apertou. Apertamos o cinco.
Ele mostrou a língua para o garoto.
O garoto mostrou a língua para ele.
Ele mostrou a língua para o garoto.
O garoto mostrou a língua para ele.
Estamos chegando no quinto. A última língua foi do garoto. Mas o Toquinho não admite perder. Nada e nunca. Na hora que saímos e a porta está quase fechada, na frestinha que sobrou, ele mostra a língua, vitorioso, e bate a porta.
Mas lá dentro, o garoto ficou na ponta do pé e, pela janelinha, numa fração de segundo, mostrou a língua.
O Toquinho fica puto e sai correndo pela escada a toda. Chega no sexto andar junto com o elevador que se abre, mostra a língua para o garoto e volta correndo.
-Ganhei, diz, ofegante e suado."

Beijo, Clélia!

Clélia Riquino disse...

Eli,

Os títulos das histórias correspondem ao nome do personagem, sua profissão, local e ano do episódio narrado. Deste que você cita é: TOQUINHO, compositor (São Paulo, 1971), pág. 233.

bj,
Clé

Anônimo disse...

Sou fã do Mário Prata desde que li Minha sMulheres e Meus Homens. Foi em Caraguá. Tempinho chato, só chovia. E o livro do tio Arnaldo lá no criado-mudo. Ia pegando ele escondido quando ninguém olhava e lia um pedacinho.

Aí a tia clé me mostrou a história da aninha e eu ganhei passe livre pra ler o resto. Fantástico! Tanto que presenteei o Eli com esse mesmo livro!

Mas quanto ao Mário Prata... Fico contente que ele não tem se metido mais com novelas...