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domingo, 21 de janeiro de 2007

Dois Joões

Um João. Baiano. Mas não um baiano de Salvador, como tantos outros baianos. Como tantos outros joões. Um baiano de Juazeiro, todo diferente. João Gilberto.

Há quem não goste de João Gilberto. Eu entendo. Entendo e respeito. Pra ser sincero, não entendo e muito menos respeito. Não dá pra não gostar. Se não gostou é porque não prestou a devida atenção. É porque trata a música como fundo musical. Pra conversar fiado, pra esperar consulta no dentista. Música, tem de prestar atenção. E, se prestar muita atenção em João Gilberto, vai perceber uma riqueza indescritível.


O que é que falam de João? Que tem voz pequena. Que repete a música infinitas vezes. Que desafina.

Quanta bobagem! E quem é que disse que é necessário ter vozeirão pra cantar? Quem é que precisa gritar? Quem não consegue convencer. É assim quando a gente conversa. É assim quando alguém canta.

João Gilberto não repete a música mil vezes. Ele canta a música mil vezes, cada vez com um detalhe diferente de harmonia, um acorde novo, achado na hora. Ele sabe achar os acordes, com a sapiência de quem conhece o violão na intimidade. Intimidade conquistada na clausura de Juazeiro, como bem revelou Ruy Castro, em seu livro Chega de Saudade.

João saiu deste retiro com o violão reinventado. Inventou uma nova batida. Inventou a bossa nova. E foi por causa do violão de João Gilberto, em algumas faixas do LP Canção do amor demais, de Elizeth Cardoso, que o mundo percebeu que a música brasileira não seria a mesma dali em diante. É por causa de João Gilberto que a música de Chico Buarque é do jeito que é. E a música de Edu Lobo. E a de Caetano Veloso. E a bossa nova reinventou a nossa música e acabou, aliás, imprimindo um padrão tão forte e poderoso, que durante muito tempo, não se fez música de qualidade no Brasil, que não tivesse a sua influência. Isso durou muito tempo, até que apareceu outro João.

Outro João. Mineiro. Mas não um Mineiro de Belo Horizonte, como tantos outros mineiros. Como tantos outros joões. Um mineiro de Montes Claros, todo diferente. João Bosco.


Este João surgiu do nada, com a coragem de fazer música brasileira que fugisse do padrão da bossa nova. Fez samba, fez rumba, fez tango, fez marcha-rancho, fez xaxado, fez música cigana, fez bolero. Como Lucho Gatica ou como Ravel. Música brasileira. E construiu, ao lado de Aldir Blanc, um cancioneiro dos mais ricos, a verdadeira perfeição quando se pensa na combinação entre palavra e melodia. Tanto foi perfeita esta fusão que tanto João quanto Aldir, nunca foram os mesmos depois que deixaram de fazer música juntos. Parece que voltaram a compor em parceria. Fico excitado com essa expectativa. Tomara que voltem logo. Seria um sonho.

Sonho mesmo, entretanto, seria ouvir algum samba de João Bosco cantado por João Gilberto. Isso não é sonho. Isso é utopia.

10 comentários:

Vivien Morgato : disse...

Eu adoro João Bosco, adoro praticamente tudo que conheço dele.Adoro ve-lo cantar.
Eu odeio João Gilberto. Odeio a empáfia, odeio o estilão, odeio a música.Não sou uma expert no assunto, sou uma mera, uma simples ouvinte.
Eu jogaria flores pro João Bosco. Não me pergunte o que eu jogaria no outro João...

Arnaldo Heredia Gomes disse...

Vivien,

Você odeia o João Gilberto? Não faça isso comigo !!!!

Também não gosto da empáfia e muito menos do estilão, mas a música dele me derrete todo.

Quando você vier aqui em casa, vou te massacrar com o João e não precisa ser no último volume, pois, como já cantou o Caetano, melhor que tudo só o silêncio e melhor que o silêncio só o João.

Anônimo disse...

Eu adoro os dois Joões. O que canta baixo e o que canta sem precisar usar palavras.
Eu não me ligo no comportamento, e pra mim isso de artista com "atitude" é desculpa pra falta de talento.
A Luana Piovani tem "atitude", a Fernanda Montenegro não. Não precisa.

João Gilberto é um mestre, e os que conviveram com ele só contam histórias de ajuda, compreensão e simplicidade.

Unknown disse...

Na música brasileira só houve três pilares, ou seja, só três pedras fundamentais: Noel Rosa, Pixinguinha e João Gilberto. Antes e depois deles a música brasileira foi outra coisa. Os que vieram depois - incluindo Chico Buarque e cia - são derivados dessa tríade. Concordo quanto ao João, sua análise está perfeita.

Arnaldo: ainda não consegui fazer aquele negócio com as fotos. É impressionante como sou burro. Não consigo arrastá-la com o mouse. Isso está me matando aos poucos, eu preciso urgente de uma aula prática.

abç

Vivien Morgato : disse...

Menina Eva, Fernanda Montenegro não tem atitude...? e a maluca que vc citou ...tem???
Eu acho vc muito bacana, mas nossas definições do que é ter "atitude" sao diametralmente opostas....

Arnaldo Heredia Gomes disse...

Meninas! Não briguem por causa do João Gilberto. Ele é da paz.

Vivien Morgato : disse...

Arnaldo.....da paz???...rs
To brigando não, a Menina Eva é gente fina.;0)
Mas que ele é chato , ele é...heheheh

Anônimo disse...

Vivien, é exatamente essa "atitude" que eu desprezo. E tem taaaaanta gente que valoriza...

Eu sou jovem. Tem amigos meus que só gostam de determinado músico pela "atitude" que ele tem. Tá, eu assumo, são os roqueiros. E ficam dizendo que a Bossa Nova não tem "atitude", falando de barquinhos e tal.

Mas aí é que tá. Essa "atitude" *estou fazendo aspas com os dedos :D* eu acho uó. Pra mim, músico tem que ser bom músico, fazer música. Não ter "atitude". Olha só a Marisa Monte. Ela chega, canta, e arrasa. Nem precisa pular no palco nem nada! O Caetano Veloso fala coisas tolas em entrevistas. E eu com isso? Ele faz músicas ótimas!

Entendeu? Era disso que eu tava falando. Importante é o som e o feeling. Tanto faz o comportamento.

Arnaldo Heredia Gomes disse...

Menina Eva,

Concordo contigo. O Caetano dando entrevista e o Gil fazendo discurso, só falam bobagens. Mas fazendo músicas, são craques!

Anônimo disse...

Amigos novos e antigos é uma pequena maravilha. Melodia, letra, interpretação, arranjo, tudo é perfeito nessa gravação. Aliás, esse é um dos melhores discos do João Bosco, e é quase desconhecido.
Mas concordo com você: quando se separou do Aldir, João ficou chato.