Livros, música, cinema, política, comida boa. Isso tudo e mais um montão de tranqueiras dentro de um baú aberto.

quinta-feira, 11 de janeiro de 2007

O amor pode ser múltiplo

A Argentina está, aos poucos, saindo de uma grande crise. E podemos encontrar, aqui no Brasil, quem não se importe ou até mesmo torça pra que eles tenham dificuldades. Isto é uma estupidez, assim como é uma grande bobagem essa rivalidade entre os dois países, rivalidade esta, tão alimentada pela mídia.

Depois de viajar muito pelo mundo, aprendi a não classificar, de forma genérica, nenhum povo. Isso não faz sentido. São todos seres humanos e, como em todo lugar, este grupo é muito heterogêneo. Tanto faz, na Argentina, na Alemanha ou no Brasil, encontramos pessoas boas e más, honestas e desonestas, alegres e mal humoradas. Enfim, tenho bons amigos na Argentina e gosto muito deles.

Além do mais, não temos como negar que há uma coisa, pelo menos, em que eles são melhores que nós. Trata-se da carne. Sua textura e seus cortes são muito superiores aos nossos. Nenhuma picanha nossa consegue se igualar a um bom bife de chouriço ou um assado de tira.

O outro ramo no qual eles, se não são superiores, empatam conosco, é o futebol. Não há como fugir desta realidade, por mais que ela nos doa. Lembro-me que, na copa de 2002, eu estava muito convicto de que o Brasil não passaria das eliminatórias e a Argentina seria a campeã. Bastava olhar nosso meio-de-campo defensivo que tinha como símbolo o jogador Émerson, enquanto eles tinham um volante da estirpe de um Verón. Isso sem falar em Galhardo, Ortega, Crespo ou Batistuta. A fase do futebol argentino era tão boa, que eles podiam se dar ao luxo de ter alguns destes jogadores na reserva, em sua seleção. Eu estava pronto para torcer pela seleção Argentina, caso o Brasil fosse desclassificado, já na primeira fase. O que acabou acontecendo foi justamente o contrário, mostrando o quanto o futebol é imprevisível e, portanto, maravilhoso.

Há outro tema, ainda, em que não ficamos devendo nada aos argentinos, mas no qual eles têm excelentes representantes. Estou falando da literatura. A Argentina tem gênios da escrita como Jorge Luis Borges e Adolfo Bioy Casares, que não devem nada a um Jorge Amado ou um Érico Veríssimo. E é sempre bom descobrir um outro autor, sobretudo de língua espanhola, já que aqui no Brasil eles têm tão pouco espaço na mídia. Estou falando de Ernesto Sabato.

Li O Túnel, escrito em 1948, numa edição de 2001, da Companhia das Letras. Apesar de tão antigo, a trama poderia ter se passado nos dias de hoje. O livro fala sobre o ciúme e o quanto este sentimento pode inibir as manifestações de amor. Aliás, o livro quase não fala do amor entre seus personagens, porque o ciúme é tanto que o sufoca, fazendo-o ficar em segundo plano.

O livro faz pensar. Por que o amor tem de ser exclusivo? Por que é que não se pode amar mais de uma pessoa ao mesmo tempo? Por que é que pelo fato de eu me interessar por outra pessoa, devo deixar de amar quem estou amando? Será que isso tem que ser tão automático assim? Por que é que o amor tem que vir sempre acompanhado desta sensação de posse? Por que ele não pode ser múltiplo?

Acho que pode. O amor pode ser múltiplo. É possível amar mais de um filho, é possível amar mais de um amigo, é possível amar mais de um homem, é possível amar mais de uma mulher. Cada um do seu jeito, com sua intensidade, de uma forma diferente. Aliás, não se deve comparar o amor. Não há amor maior do que outro. Não dá pra perguntar a uma criança se ela ama mais o pai ou a mãe. Isso não tem importância. O importante é amar.

Mas as pessoas não aceitam isso. As pessoas querem o poder, ao invés do amor. Querem a posse, ao invés da confiança. Querem ter, ao invés de usufruir. E isso faz com que elas abram mão da felicidade em troca do domínio. Acabam não aproveitando todo o prazer que o amor pode proporcionar porque estão preocupadas em preservar seu controle.

É de tudo isso que o livro trata, de forma crua e direta. Mostrando como uma pessoa pode ser levada ao limite por causa do ciúme. Como essa pessoa pode abrir mão de viver um amor plenamente e como o ciúme pode levar à tragédia.
Tenham calma. Não estou contando o fim do livro. Estou contando só o começo. Estou contando só a primeira frase do texto que é: "Bastará dizer que sou Juan Pablo Castel, o pintor que matou María Iribarne." O resto da história está no livro. Muito bem escrito, aliás. Vale a pena ler.

4 comentários:

Vivien Morgato : disse...

Nunca li Sábato e fica a dica, quero ler. Quanto a multiplicidade do amor, acho possível, mas não factível.Mas isso é uma verdade pra mim, claro,jamais pregaria essa ou aquela forma de viver.

Anônimo disse...

Arnaldo, sua visão do amor é tão bonita e tão perfeita... Mas me parece tão difícil de ser vivida! Como conviver com uma mulher que dorme uma noite contigo e outra noite com teu amigo? Se a gente para pra pensar nisso, acaba chegando a conclusão de que o amor livre, embora ideal, é quase uma utopia. Quem conseguiu essa proeza além de Sartre e Simone? E de que maneira eles se amaram? Abraços.

Arnaldo Heredia Gomes disse...

Bruno,

Sei que é difícil. Nem acho que possa ser fácil. Mas tem muita coisa difícil de se conseguir e que, mesmo assim, não cansamos de perseguir, não é mesmo? Algumas, aliás, que a maioria das pessoas acha impossíveis, utópicas, ingênuas, até.

Agora, imagine como seria pior se a mulher dormisse uma noite comigo e na outra com o meu inimigo!

E a gente vai levando a vida. Apesar das dificuldades com que ela nos presenteia.

Eu não tenho conserto disse...

Também acho que se pode amar mais de uma pessoa ao mesmo tempo... o que não se consegue é viver dentro dos padrões que a sociedade nos impôs... acho até que essa sensação de posse vem dai... Fiquei curiosa e com vontade de ler o livro!
bjks