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quarta-feira, 24 de outubro de 2018

O antipetismo e a corrupção


A percepção da corrupção, numa sociedade, depende da atuação de 2 entidades: o órgão oficial responsável por investigar atos de corrupção e a imprensa. Quanto maior a capacidade que estas entidades tiverem de exercer seu papel maior será a chance de se perceber o grau de corrupção.

Quando uso o termo capacidade, estou incluindo, neste balaio, 3 fatores: liberdade de ação, recursos materiais e disposição de agir. Isso vale tanto para as entidades investigativas quanto para a imprensa.

Quanto mais esses 3 fatores aplicados a estas 2 entidades forem atendidos, plenamente, mais a sociedade vai conseguir atingir a real percepção da corrupção.

Durante a campanha eleitoral deste ano, muito mais do que as propostas, as diferenças ideológicas e o preparo dos candidatos, o que tem motivado os debates entre eleitores é a rejeição ao que cada um deles representa.

Do lado do candidato apontado como favorito pelas pesquisas, a tônica da campanha está baseada na teoria de que o Partido dos Trabalhadores (PT) cometeu mais atos de corrupção em seu período de governo do que em qualquer outra época, no Brasil. Isso significa afirmar que, durante esses anos, o grau de corrupção foi maior do que fora às épocas dos governos FHC, Collor e do regime militar.

Uma enorme parcela do eleitorado recebe, digere e aceita esta afirmação sem avaliar sua consistência. E faz isso por não submeter a comparação, que nela está inserida, à luz do ambiente de cada época. A maneira de avaliar esta informação, de forma apropriada, é comparar estes ambientes, no tocante às 2 entidades e 3 fatores aos quais me referi no início do texto.

No período imediatamente pós-ditadura, as entidades oficiais não dispunham das ferramentas de que dispõem hoje, mas a imprensa teve um papel importante na veiculação de informações, sobretudo no governo de Fernando Collor e seu lugar-tenente PC Farias.

Itamar Franco, após assumir, criou, em dezembro de 1993, uma comissão especial para investigar crimes de corrupção, num primeiro movimento para instrumentalizar melhor as entidades investigativas. Esta comissão foi extinta nos primeiros dias após a posse de FHC.

Nas duas edições de seu governo, aliás, além de controlar com mão de ferro a atuação da Polícia Federal, FHC contou com o beneplácito de grande parte da imprensa. Isso criou um ambiente muito propício para se blindar a divulgação de casos de corrupção que foram, desde a compra de votos para aprovar a emenda da reeleição, passando pelos casos da privatização da Telebras, das obras do Metrô de São Paulo, PROER, SIVAN e outros que, posteriormente, vieram à tona e estão, hoje, bem documentados.

Seu procurador-geral da República, Geraldo Brindeiro, ficou jocosamente conhecido pela alcunha de “engavetador-geral da República”. Isso acabou explicando o motivo dele ter sido escolhido para o cargo, apesar de não figurar na lista tríplice que, tradicionalmente, é preparada pelos procuradores e enviada ao presidente da República.

Na gestão de Lula, pelo contrário, da lista dos nomes escolhidos pelos procuradores, aqueles que figuravam em primeiro lugar foram os indicados para a PGU, tanto em 2003, Claudio Fonteles, quanto em 2005, Antônio Fernando de Souza que, mesmo tendo sido o relator da denúncia do mensalão, foi reconduzido ao cargo em 2007.

Em seus 2 mandatos, Lula instrumentalizou a Polícia Federal, o que possibilitou que o número de investigações ocorridas, livremente, durante este período, tenha sido 50 vezes maior que no período tucano. Além disso, a imprensa, de 2002 a 2008, foi muitíssimo mais vigilante (e é assim mesmo que ela deve ser, mas, com todos), em comparação à maneira aquiescente com que tratou o período anterior.

Desta forma, fica muito bem configurada a diferença de ambiente relativa aos 3 fatores envolvendo as 2 entidades a que me referi nos primeiros parágrafos. E, assim, se constrói uma percepção de “grau de corrupção” muito diferente, também.

Tudo isso, sem contar com o período do regime militar em que as investigações, sobre qualquer assunto, só eram permitidas com a autorização das forças armadas e à imprensa, sob censura, era imposta uma proibição de divulgar qualquer notícia que desabonasse o governo. Essa dobradinha, investigação zero e imprensa calada, produziu, no imaginário popular, a ideia de uma época em que não havia corrupção no Brasil. Há, até hoje, ingênuos que sustentam e agitam esta bandeira!

Hoje, há vasta documentação sobre isso. Só não enxerga quem não quer ver. Para quem queira, indico não apenas 1, mas 2, 3, 4, até 5 exemplos para se informar.

A campanha do candidato favorito nas pesquisas está calcada num sentimento de antipetismo que foi construído, principalmente, sobre dois alicerces: um, que afirma que no tempo do PT o grau de corrupção foi “muito maior” que em qualquer período da história e outro, que insiste que, na época da ditadura militar, não havia corrupção no Brasil.

Qualquer pessoa pode votar no candidato que quiser, isso a lei permite (o que, aliás, não acontecia quando os militares mandavam). Uma pessoa pode votar em Bolsonaro por preferir sua proposta de modelo econômico (caso descubra qual é). Pode votar nele por compartilhar de suas ideias antidemocráticas. Pode votar nele, até, por ser racista, por ser homofóbico, por ser misógino. Estes últimos motivos são imorais, mas permitidos pela lei.

Agora, a pessoa que vota neste homem alegando que é devido à corrupção do PT ter sido a maior da história e que com os militares ela vai se acabar, essa pessoa vai precisar refletir melhor e confessar, não pra mim (não é da minha conta), mas pra si, o verdadeiro motivo que a move. Para, pelo menos, não ser hipócrita consigo mesma. 



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