A percepção da
corrupção, numa sociedade, depende da atuação de 2 entidades: o órgão oficial responsável
por investigar atos de corrupção e a imprensa. Quanto maior a capacidade que estas
entidades tiverem de exercer seu papel maior será a chance de se perceber o
grau de corrupção.
Quando uso o termo
capacidade, estou incluindo, neste balaio, 3 fatores: liberdade de ação, recursos
materiais e disposição de agir. Isso vale tanto para as entidades
investigativas quanto para a imprensa.
Quanto mais esses 3
fatores aplicados a estas 2 entidades forem atendidos, plenamente, mais a
sociedade vai conseguir atingir a real percepção da corrupção.
Durante a campanha
eleitoral deste ano, muito mais do que as propostas, as diferenças ideológicas
e o preparo dos candidatos, o que tem motivado os debates entre eleitores é a
rejeição ao que cada um deles representa.
Do lado do candidato
apontado como favorito pelas pesquisas, a tônica da campanha está baseada na
teoria de que o Partido dos Trabalhadores (PT) cometeu mais atos de corrupção
em seu período de governo do que em qualquer outra época, no Brasil. Isso
significa afirmar que, durante esses anos, o grau de corrupção foi maior do que
fora às épocas dos governos FHC, Collor e do regime militar.
Uma enorme parcela do
eleitorado recebe, digere e aceita esta afirmação sem avaliar sua consistência.
E faz isso por não submeter a comparação, que nela está inserida, à luz do
ambiente de cada época. A maneira de avaliar esta informação, de forma
apropriada, é comparar estes ambientes, no tocante às 2 entidades e 3 fatores aos
quais me referi no início do texto.
No período
imediatamente pós-ditadura, as entidades oficiais não dispunham das ferramentas
de que dispõem hoje, mas a imprensa teve um papel importante na veiculação de
informações, sobretudo no governo de Fernando Collor e seu lugar-tenente PC
Farias.
Itamar Franco, após
assumir, criou, em dezembro de 1993, uma comissão especial para investigar
crimes de corrupção, num primeiro movimento para instrumentalizar melhor as
entidades investigativas. Esta comissão foi extinta nos primeiros dias após a
posse de FHC.
Nas duas edições de seu
governo, aliás, além de controlar com mão de ferro a atuação da Polícia
Federal, FHC contou com o beneplácito de grande parte da imprensa. Isso criou
um ambiente muito propício para se blindar a divulgação de casos de corrupção
que foram, desde a compra de votos para aprovar a emenda da reeleição, passando
pelos casos da privatização da Telebras, das obras do Metrô de São Paulo,
PROER, SIVAN e outros que, posteriormente, vieram à tona e estão, hoje, bem
documentados.
Seu procurador-geral da
República, Geraldo Brindeiro, ficou jocosamente conhecido pela alcunha de
“engavetador-geral da República”. Isso acabou explicando o motivo dele ter sido
escolhido para o cargo, apesar de não figurar na lista tríplice que,
tradicionalmente, é preparada pelos procuradores e enviada ao presidente da
República.
Na gestão de Lula, pelo
contrário, da lista dos nomes escolhidos pelos procuradores, aqueles que
figuravam em primeiro lugar foram os indicados para a PGU, tanto em 2003, Claudio
Fonteles, quanto em 2005, Antônio Fernando de Souza que, mesmo tendo sido o
relator da denúncia do mensalão, foi reconduzido ao cargo em 2007.
Em seus 2 mandatos,
Lula instrumentalizou a Polícia Federal, o que possibilitou que o número de
investigações ocorridas, livremente, durante este período, tenha sido 50 vezes
maior que no período tucano. Além disso, a imprensa, de 2002 a 2008, foi
muitíssimo mais vigilante (e é assim mesmo que ela deve ser, mas, com todos),
em comparação à maneira aquiescente com que tratou o período anterior.
Desta forma, fica muito
bem configurada a diferença de ambiente relativa aos 3 fatores envolvendo as 2
entidades a que me referi nos primeiros parágrafos. E, assim, se constrói uma
percepção de “grau de corrupção” muito diferente, também.
Tudo isso, sem contar
com o período do regime militar em que as investigações, sobre qualquer
assunto, só eram permitidas com a autorização das forças armadas e à imprensa,
sob censura, era imposta uma proibição de divulgar qualquer notícia que
desabonasse o governo. Essa dobradinha, investigação zero e imprensa calada,
produziu, no imaginário popular, a ideia de uma época em que não havia
corrupção no Brasil. Há, até hoje, ingênuos que sustentam e agitam esta bandeira!
Hoje, há vasta
documentação sobre isso. Só não enxerga quem não quer ver. Para quem queira,
indico não apenas 1, mas 2, 3, 4, até 5 exemplos para se informar.
A campanha do candidato
favorito nas pesquisas está calcada num sentimento de antipetismo que foi
construído, principalmente, sobre dois alicerces: um, que afirma que no tempo do
PT o grau de corrupção foi “muito maior” que em qualquer período da história e outro,
que insiste que, na época da ditadura militar, não havia corrupção no Brasil.
Qualquer pessoa pode
votar no candidato que quiser, isso a lei permite (o que, aliás, não acontecia
quando os militares mandavam). Uma pessoa pode votar em Bolsonaro por
preferir sua proposta de modelo econômico (caso descubra qual é). Pode votar
nele por compartilhar de suas ideias antidemocráticas. Pode votar nele, até,
por ser racista, por ser homofóbico, por ser misógino. Estes últimos motivos
são imorais, mas permitidos pela lei.
Agora, a pessoa que
vota neste homem alegando que é devido à corrupção do PT ter sido a maior da
história e que com os militares ela vai se acabar, essa pessoa vai precisar
refletir melhor e confessar, não pra mim (não é da minha conta), mas pra si, o
verdadeiro motivo que a move. Para, pelo menos, não ser hipócrita consigo
mesma.
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