Livros, música, cinema, política, comida boa. Isso tudo e mais um montão de tranqueiras dentro de um baú aberto.

segunda-feira, 29 de outubro de 2018

O pensamento conservador

No mais interessante, entre os 5 primeiros episódios do programa Amigos, Sons e Palavras (de Gilberto Gil), no Canal Brasil, Renata Lo Prete cita uma frase, a respeito das informações veiculadas através do WhatsApp:

“Desconfie, especialmente, da informação com a qual você concorda, com a qual você se identifica. Porque é, justamente, no reforço das suas convicções, no reforço dos seus preconceitos, que o algoritmo opera.”

Eu tenho afirmado, com certa insistência, tanto aqui quanto nos diálogos que travo no Facebook, sobre a necessidade de as pessoas estarem abertas ao contraditório. Tenho firme convicção de que esta atitude é que enriquece o debate e aprimora as reflexões. Fechar-se às ideias do interlocutor, assim como desqualificá-las, antecipadamente, tolhe nossa capacidade de evoluir.

Considerar o contraditório não significa concordar com ele. Aliás, venho insistindo: concordar ou discordar são coisas absolutamente irrelevantes em qualquer discussão. Quando, após iniciar um debate, recebo como resposta do meu antagonista a frase: “eu discordo”, em lugar de apresentar uma argumentação, já sei que a discussão será paupérrima.

Há muito tempo, tenho sugerido às pessoas que leiam livros e textos que apresentem argumentos contrários às próprias convicções. Conversem, de peito aberto, com pessoas com visões diferentes de mundo. Acredito que isso enriquece, aprimora, provoca evolução.

Assim como sugiro a amigos conservadores que leiam os autores progressistas, procuro conhecer o pensamento conservador.

Quando éramos jovens, líamos muitos autores de esquerda e, com a arrogância típica da juventude, desprezávamos os autores de direita. Assim como nós, os jovens conservadores execravam os nossos livros. Uma das poucas vantagens que nos traz a maturidade é a de perceber que o mundo não é tão maniqueísta quanto pensávamos.

Confesso que, atualmente, não encontro, no Brasil, um autor com pensamento conservador que me anime à leitura. Bons tempos eram os de quando podíamos ler um texto de José Guilherme Merchior ou Roberto Campos. Discordávamos deles, mas escreviam tão bem que dava até raiva! Hoje, a perspectiva de ler algo de Olavo de Carvalho ou Luiz Felipe Pondé dá certo desgosto.

Por isso, recorro a um pensador conservador inglês, Roger Scruton. Seu livro mais importante, O que é conservadorismo, de 1980 (com revisões em 1984 e 2001) é quase um manual. Conceitua a atitude conservadora e aborda aspectos como autoridade, estado, propriedade e trabalho sob esta luz. É muito didático, no que diz respeito a entendermos o que se contrapõe ao pensamento progressista.

Não é, entretanto, este famoso manual que mais me instigou, entre as obras deste autor e, sim, Confissões de um herético, uma coletânea de ensaios esparsos, organizados em 12 capítulos, nos quais aborda os mais diversificados temas da vida cotidiana. Se não é um texto tão acadêmico quanto o livro mais famoso, o estilo informal destes ensaios nos deixa perceber, com mais clareza, os valores e os preconceitos contidos nesta forma de pensar e enxergar o mundo.

Inicia o livro com um capítulo dedicado à mentira e ao fingimento, fazendo uma instigante comparação entre as duas atitudes. Discorre sobre isso, tendo a arte como pano de fundo e utiliza a comparação entre modernismo e classicismo para fazer a equivalência entre pensamento progressista e conservador, respectivamente.

No segundo capítulo, um dos mais divertidos, no livro, ele traça uma comparação entre a relação das pessoas com animais de estimação urbanos e a relação com os animais rurais e silvestres. É explicitamente ácido quanto à primeira.

E segue, no livro, discorrendo sobre governo, dança, arquitetura, redes sociais, o luto, a morte e a natureza, entre outros temas. Faz isso, sempre, defendendo um ponto de vista conservador e absolutamente crítico à interferência do estado em qualquer uma das atividades sobre as quais discorre.

Na defesa intransigente de um “estado mínimo”, critica, por exemplo, a evolução da medicina e da indústria farmacêutica que, segundo sua visão, não deveria ter avançado a ponto de permitir que as pessoas vivessem tanto, interferindo na naturalidade da morte. Defende que o estado não deveria subsidiar o atendimento universal da população, mas deixasse que, “naturalmente”, quem não tivesse condições materiais para bancar um tratamento, vivesse pelo tempo “condizente” com sua posição social.

Aliás, sua convicção de que as pessoas deveriam se conformar com a vida que sua posição na sociedade lhes reserva está presente em praticamente todos os textos, seja de forma direta, seja subliminarmente.

Discordo quase integralmente do que ele escreve, mas, como eu já disse, isso é absolutamente irrelevante. O termo “quase” eu emprego por ter me identificado com um componente conservador que é o relacionado à arte. Percebo, em mim, há muito tempo, um conservadorismo neste campo, sobretudo no que se refere à música.

De salutar, em seu pensamento puramente conservador, há a possibilidade de identificar uma absoluta aversão a qualquer forma de governo autoritário. Em nenhum momento, em nenhum dos textos, ele ao menos flerta com qualquer ataque à democracia. E esta, juntamente com a superioridade estética de seu texto, é uma característica que o difere da maioria dos pensadores conservadores de nosso país.

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