“Desconfie,
especialmente, da informação com a qual você concorda, com a qual você se
identifica. Porque é, justamente, no reforço das suas convicções, no reforço
dos seus preconceitos, que o algoritmo opera.”
Eu tenho afirmado, com
certa insistência, tanto aqui quanto nos diálogos que travo no Facebook, sobre
a necessidade de as pessoas estarem abertas ao contraditório. Tenho firme
convicção de que esta atitude é que enriquece o debate e aprimora as reflexões.
Fechar-se às ideias do interlocutor, assim como desqualificá-las,
antecipadamente, tolhe nossa capacidade de evoluir.
Considerar o
contraditório não significa concordar com ele. Aliás, venho insistindo:
concordar ou discordar são coisas absolutamente irrelevantes em qualquer
discussão. Quando, após iniciar um debate, recebo como resposta do meu
antagonista a frase: “eu discordo”, em lugar de apresentar uma argumentação, já
sei que a discussão será paupérrima.
Há muito tempo, tenho sugerido
às pessoas que leiam livros e textos que apresentem argumentos contrários às
próprias convicções. Conversem, de peito aberto, com pessoas com visões
diferentes de mundo. Acredito que isso enriquece, aprimora, provoca evolução.
Assim como sugiro a
amigos conservadores que leiam os autores progressistas, procuro conhecer o
pensamento conservador.
Quando éramos jovens, líamos
muitos autores de esquerda e, com a arrogância típica da juventude,
desprezávamos os autores de direita. Assim como nós, os jovens conservadores
execravam os nossos livros. Uma das poucas vantagens que nos traz a maturidade
é a de perceber que o mundo não é tão maniqueísta quanto pensávamos.
Confesso que,
atualmente, não encontro, no Brasil, um autor com pensamento conservador que me
anime à leitura. Bons tempos eram os de quando podíamos ler um texto de José
Guilherme Merchior ou Roberto Campos. Discordávamos deles, mas escreviam tão
bem que dava até raiva! Hoje, a perspectiva de ler algo de Olavo de Carvalho ou
Luiz Felipe Pondé dá certo desgosto.
Por isso, recorro a um
pensador conservador inglês, Roger Scruton. Seu livro mais importante, O que é conservadorismo, de 1980 (com
revisões em 1984 e 2001) é quase um manual. Conceitua a atitude conservadora e
aborda aspectos como autoridade, estado, propriedade e trabalho sob esta luz.
É muito didático, no que diz respeito a entendermos o que se contrapõe ao
pensamento progressista.
Não é, entretanto, este
famoso manual que mais me instigou, entre as obras deste autor e, sim, Confissões de um herético, uma coletânea
de ensaios esparsos, organizados em 12 capítulos, nos quais aborda os mais
diversificados temas da vida cotidiana. Se não é um texto tão acadêmico quanto
o livro mais famoso, o estilo informal destes ensaios nos deixa perceber, com
mais clareza, os valores e os preconceitos contidos nesta forma de pensar e
enxergar o mundo.
Inicia o livro com um
capítulo dedicado à mentira e ao fingimento, fazendo uma instigante comparação
entre as duas atitudes. Discorre sobre isso, tendo a arte como pano de fundo e
utiliza a comparação entre modernismo e classicismo para fazer a equivalência
entre pensamento progressista e conservador, respectivamente.
No segundo capítulo, um
dos mais divertidos, no livro, ele traça uma comparação entre a relação das
pessoas com animais de estimação urbanos e a relação com os animais rurais e silvestres.
É explicitamente ácido quanto à primeira.
E segue, no livro,
discorrendo sobre governo, dança, arquitetura, redes sociais, o luto, a morte e
a natureza, entre outros temas. Faz isso, sempre, defendendo um ponto de vista
conservador e absolutamente crítico à interferência do estado em qualquer uma
das atividades sobre as quais discorre.
Na defesa intransigente
de um “estado mínimo”, critica, por exemplo, a evolução da medicina e da indústria
farmacêutica que, segundo sua visão, não deveria ter avançado a ponto de
permitir que as pessoas vivessem tanto, interferindo na naturalidade da morte.
Defende que o estado não deveria subsidiar o atendimento universal da população, mas deixasse que, “naturalmente”, quem não tivesse condições materiais para bancar
um tratamento, vivesse pelo tempo “condizente” com sua posição social.
Aliás, sua convicção de
que as pessoas deveriam se conformar com a vida que sua posição na sociedade lhes
reserva está presente em praticamente todos os textos, seja de forma direta,
seja subliminarmente.
Discordo quase
integralmente do que ele escreve, mas, como eu já disse, isso é absolutamente
irrelevante. O termo “quase” eu emprego por ter me identificado com um
componente conservador que é o relacionado à arte. Percebo, em mim, há muito
tempo, um conservadorismo neste campo, sobretudo no que se refere à música.
De salutar, em seu
pensamento puramente conservador, há a possibilidade de identificar uma
absoluta aversão a qualquer forma de governo autoritário. Em nenhum momento, em
nenhum dos textos, ele ao menos flerta com qualquer ataque à democracia. E esta,
juntamente com a superioridade estética de seu texto, é uma característica que
o difere da maioria dos pensadores conservadores de nosso país.
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