Livros, música, cinema, política, comida boa. Isso tudo e mais um montão de tranqueiras dentro de um baú aberto.

segunda-feira, 4 de dezembro de 2006

Forma e conteúdo

Há livros em que é impossível ceder ao ímpeto de comprá-lo, já pela capa. É o caso deste, do escritor Marçal Aquino. Mais do que a capa, porém, o que é mais irresistível é seu título. Eu Receberia as Piores Notícias dos Seus Lindos Lábios, entretanto, é muito mais do que um título brilhante e uma ótima capa. É um daqueles livros policiais no qual você fica grudado até que ele acabe. Não quer largá-lo nem pra comer, nem pra dormir, nem pra nada. É um livro pra ler numa só jornada.

Marçal Aquino lida muito bem com as mudanças de época, brincando com os textos no passado e no presente. Este recurso, utilizado sem habilidade por muitos autores, é manejado por Aquino com muita naturalidade. Ele viaja pro passado e volta para o presente, sem nunca tirar do leitor a ansiedade e o suspense. E vai assim até a última página.

O livro tem humor e sensualidade. Seus personagens são reais sem ser insossos. São especiais sem ser inverossímeis.

Um livro delicioso.

2 comentários:

Anônimo disse...

No livro "Herdando uma Biblioteca" [Editora Record, 2004], Miguel Sanches Neto fala sobre "títulos". Transcrevo o início do capítulo:

PEQUENO DICIONÁRIO DE TÍTULOS

Estava indo a uma das escolas da periferia onde lecionava, um livro diante dos olhos no trajeto feito por um ônibus intermunicipal. Embalado pela história, me distancio dos campos com casas de colonos italianos. Um riso insistente, ao fundo, quase não me incomoda. Mas súbito vira gargalhada, emitida por mais de uma pessoa. Levanto a cabeça e percebo que um grupo de jovens se diverte prestando atenção em mim. Não sei a razão. Fitando meus pés, vejo que não coloquei sapatos de cores diferentes. Volto à leitura, mas sinto uma mão tocando meu ombro.

_ O senhor dá licença?

Apenas olho para o rosto do jovem, que faz de tudo para manter a seriedade.

_ A gente queria saber se é fácil aprender a bordar.

Pergunto por quê. Ele aponta o livro, que está fechado em minhas mãos, o dedo indicador entre as páginas, marcando o ponto em que parei. Trata-se de um romance de Autran Dourado, O risco do bordado. Agora sou eu quem ri, dizendo ao rapaz que aquilo é literatura.

_ Não é para aprender a bordar? – ele fala alto, o grupo não agüenta e solta mais risos, meio contidos.

_ Não, é apenas uma história.

Com jeito de quem não acreditou, ele se retira e passa o trajeto todo acompanhando meus movimentos. Agora mal consigo me concentrar – desse jeito, eles devem estar pensando, nunca aprenderei a bordar.

Sempre fui fascinado por títulos, até de livros de que não gostei. Ao dar nome a meus livros, recordo este episódio, buscando títulos fortes, mas neutros, para que eles possam ser lidos sem constrangimentos em um ônibus ou em um avião.

Dentro do vasto campo das possibilidades, prefiro os nomes longos, as frases, de preferência versos completos ou pedaços, porque eles ficam gravados na lembrança do leitor pelo ritmo, participando de sua memória musical. Ao terminar meu primeiro romance, tinha uma vasta lista de títulos, mas fiquei com um verso de Octavio Paz – Chove sobre minha infância. (...)

Arnaldo Heredia Gomes disse...

Clé

Você já tinha me mostrado esse texto. Ele é realmente ótimo.