A editora Casa da Palavra, pra comemorar seus dez anos de nascimento, convidou 10 leitores vorazes para escrever sobre o livro que mais importância teve em suas vidas. Reuniu estes escritos e lançou Dez livros que abalaram meu mundo. Abre a obra, o depoimento de José Mindlin, que faz uma declaração que me encheu de inveja, a de que lê, em média, 100 livros por ano. Após ler os deliciosos depoimentos, fiquei pensando no livro que abalou meu mundo e foi fácil saber seu nome. Mas não foi fácil chegar a ele ao longo de minha vida.
Sou hoje um leitor voraz, compulsivo mesmo, mas comecei muito tarde. Na infância, não tive referências, já que não se lia em casa. Ganhei meu primeiro livro aos oito anos, de minha avó. Chamava-se O gato de botas e eu o achei absolutamente desinteressante. Para uma criança que estava habituada aos gibis hiper coloridos, as ilustrações do livro me pareceram muito pobres. Além do mais, na escola em que eu estudava, ir para a biblioteca era sinônimo de castigo. Quando alguma criança aprontava algo grave (tinha de ser muito grave), era mandada para a biblioteca, onde ficava trancada e tinha de ler e resumir um livro escolhido pela professora. A escolha era sempre péssima, assim como era ruim a escolha do único livro que tínhamos de ler em cada semestre para resumir (por que isso?) e entregar uma ficha preenchida. A escolha sempre caía em alguma obra da fase romântica de Machado de Assis. Li Helena, Iaiá Garcia, A mão e a luva. Odiei todos. Aliás, o gosto que tenho pelos livros de Machado de sua fase realista é comparável à ojeriza que tenho da fase romântica.
Foi só quando entrei no curso técnico que descobri que uma biblioteca podia ser uma coisa aberta, disponível e útil. E de tanto freqüentá-la, por causa dos livros técnicos, ao lado de temas como transistores e válvulas eletrônicas, encontrei contos, poesias e romances. Descobri Malba Tahan e seu O homem que calculava me causou um grande frisson. Mas foram os livros de história e política que fizeram a minha cabeça. Descobri Hélio Silva e devorei tudo que fora escrito por ele. Numa época em que a censura grassava natural e solta, era excitante quando algum livro de Gramsci ou Engels chegava às nossas mãos, sempre devidamente encapado por um papel pardo e grosso.
Acabei virando, assim, um rato das prateleiras de história e política das livrarias e, ao mesmo tempo, freqüentador assíduo de livrarias técnicas. E, durante muitos anos, abandonei a ficção e a poesia. Só lia biografias, livros de história, sociologia, política, enfim, essas coisas que eu considerava menos alienantes. Ficção, lia pouca coisa.
Um dia, por acaso, me caiu nas mãos o livro Quase Memória do Carlos Heitor Cony. E foi justamente este livro que abalou meu mundo. Foi por causa dele que eu fiz as pazes com a literatura de ficção e sobretudo por ele, senti vontade de escrever. Na verdade, foi mais que vontade. Foi uma necessidade, como se, caso não o fizesse, ficaria sufocado. Depois dele, voltei a ler Eça, descobri Saramago, aventurei-me pelos autores mais novos, principalmente os brasileiros. E descobri o prazer da releitura. Com isso, inaugurei uma tradição, que é reler Dom Casmurro e Cem anos de Solidão. Por coincidência, eu os li quando fiz 20 anos. Reli pela primeira vez quando completei 30 e repeti a dose ao fazer 40 anos de idade. Em cada oportunidade descobri coisas novas, provei novos sabores, extraí novos prazeres. Não vejo a hora de chegar aos 50 para ler esses dois livros pela quarta vez.
Sou hoje um leitor voraz, compulsivo mesmo, mas comecei muito tarde. Na infância, não tive referências, já que não se lia em casa. Ganhei meu primeiro livro aos oito anos, de minha avó. Chamava-se O gato de botas e eu o achei absolutamente desinteressante. Para uma criança que estava habituada aos gibis hiper coloridos, as ilustrações do livro me pareceram muito pobres. Além do mais, na escola em que eu estudava, ir para a biblioteca era sinônimo de castigo. Quando alguma criança aprontava algo grave (tinha de ser muito grave), era mandada para a biblioteca, onde ficava trancada e tinha de ler e resumir um livro escolhido pela professora. A escolha era sempre péssima, assim como era ruim a escolha do único livro que tínhamos de ler em cada semestre para resumir (por que isso?) e entregar uma ficha preenchida. A escolha sempre caía em alguma obra da fase romântica de Machado de Assis. Li Helena, Iaiá Garcia, A mão e a luva. Odiei todos. Aliás, o gosto que tenho pelos livros de Machado de sua fase realista é comparável à ojeriza que tenho da fase romântica.
Foi só quando entrei no curso técnico que descobri que uma biblioteca podia ser uma coisa aberta, disponível e útil. E de tanto freqüentá-la, por causa dos livros técnicos, ao lado de temas como transistores e válvulas eletrônicas, encontrei contos, poesias e romances. Descobri Malba Tahan e seu O homem que calculava me causou um grande frisson. Mas foram os livros de história e política que fizeram a minha cabeça. Descobri Hélio Silva e devorei tudo que fora escrito por ele. Numa época em que a censura grassava natural e solta, era excitante quando algum livro de Gramsci ou Engels chegava às nossas mãos, sempre devidamente encapado por um papel pardo e grosso.
Acabei virando, assim, um rato das prateleiras de história e política das livrarias e, ao mesmo tempo, freqüentador assíduo de livrarias técnicas. E, durante muitos anos, abandonei a ficção e a poesia. Só lia biografias, livros de história, sociologia, política, enfim, essas coisas que eu considerava menos alienantes. Ficção, lia pouca coisa.
Um dia, por acaso, me caiu nas mãos o livro Quase Memória do Carlos Heitor Cony. E foi justamente este livro que abalou meu mundo. Foi por causa dele que eu fiz as pazes com a literatura de ficção e sobretudo por ele, senti vontade de escrever. Na verdade, foi mais que vontade. Foi uma necessidade, como se, caso não o fizesse, ficaria sufocado. Depois dele, voltei a ler Eça, descobri Saramago, aventurei-me pelos autores mais novos, principalmente os brasileiros. E descobri o prazer da releitura. Com isso, inaugurei uma tradição, que é reler Dom Casmurro e Cem anos de Solidão. Por coincidência, eu os li quando fiz 20 anos. Reli pela primeira vez quando completei 30 e repeti a dose ao fazer 40 anos de idade. Em cada oportunidade descobri coisas novas, provei novos sabores, extraí novos prazeres. Não vejo a hora de chegar aos 50 para ler esses dois livros pela quarta vez.
Hoje, posso dizer que os livros são minha perdição. Juntamente com os CDs, é com eles que gasto todo o dinheiro que tenho (e, às vezes, o que não tenho). E cada vez que olho pra estante de casa ou pras prateleiras das livrarias, me dá uma angústia insuportável, por saber que, por mais que eu viva, não conseguirei ler nem uma infinita parte do que desejo. E do que preciso.
3 comentários:
Eu comecei a ler com sete anos e, animada por uma tia professora, não parei. Nunca parei, emendei livro em livro ( em geral mais de um por vez) nesses 38 anos. Deve ser, provavelmente , a coisa que mais gosto de fazer no mundo. LER.
Quanto a reler 100 anos de solidao, concordo com vc...é absolutamente marailhoso poder voltar e voltar em Macondo.
To relendo Viver pra Contar, onde os personagens vao tropeçando conosco...pra quem conhece um pouco da obra dele, muito emocionante.
Arnaldo, li esse seu texto nessa semana, quando a Clélia me mandou. Não me deu tempo comentá-lo na hora e agora, veja só, Gabo faleceu, o que me faz ver/relembrar sua obra com outros olhos.
Esse seu texto me trouxe lembranças sobre como me tornei uma leitora. Desde que aprendi a ler, sempre gostei muito, mas foi lá pelos 11, 12 anos, que comecei a ler bastante. Minha amiga Bianca e eu demos início à tradição de irmos à biblioteca da escola (o Colégio São Bernardo, na Av. Senador Vergueiro) e pegar cada uma um livro. Depois, trocávamos de livro e impressões. Era muito bom!
Em algum momento, ela deixou isso de lado, mas eu segui frequentando a biblioteca e pegando livros. A bibliotecária (uma senhora que tinha jeitão de brava, mas se revelou uma senhora fofa depois de algumas visitas) ficou muito feliz quando eu completei o cartão da biblioteca em menos de um ano. Segundo ela, fui a única até aquele momento a conseguir tal feito e ela me pediu para guardar o meu cartão como recordação.
Mas, sem dúvida, foi "Cem Anos de Solidão" o livro que mais me marcou e já o li três vezes!
Gabo fará falta, mas é bom saber que estará sempre conosco.
Bom feriado
P.S. Como uma escola pode dar uma conotação tão negativa à biblioteca? Fiquei chocada com isso!
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