Livros, música, cinema, política, comida boa. Isso tudo e mais um montão de tranqueiras dentro de um baú aberto.

sábado, 16 de dezembro de 2006

Época de sonho

Sempre tive uma estranha sensação de que nasci na época errada. Na verdade, vivo desejando ter nascido em outras épocas. Quando era mais moleque, quis ter nascido na década de 1910 pra ir lutar na Guerra Civil Espanhola ou na de 1950 pra ter ido lutar na guerrilha do Araguaia, como se eu tivesse coragem suficiente pra alguma dessas empreitadas.

Mas é no campo da música que eu sempre tive a sensação de estar na era errada. Afinal, tendo nascido em 1960, na minha adolescência peguei o auge da detestável época das discotecas, com direito a filmes com John Travolta e Olívia Newton John. Tivesse nascido 10 anos antes, teria acompanhado a evolução dos Beatles enquanto ela ocorria. Só fui me interessar por eles quando o conjunto já tinha terminado.

Se fosse 20 anos mais velho, eu teria descoberto, aos dezoito, provavelmente maravilhado, o disco Canção do amor demais da Elizeth Cardoso, com músicas de Tom e Vinícius e iria reparar, em duas faixas do disco, o violão de um desconhecido chamado João Gilberto. Iria, certamente, me apaixonar de forma irremediável pela bossa nova, como de fato me apaixonei mais tarde, como quem se apaixona por uma mulher mais velha, ainda inteirona.

Esta sensação de extemporaneidade diminuiu, outro dia, conversando com a Adriana Davi no odiável Fran’s Café de Campinas. Descobri que ela não viu Elis Regina cantar. E eu vi. Vi Elis Regina no show Falso Brilhante, no teatro Bandeirantes, maravilhosa, absoluta. Vi Elis no show Transversal do Tempo, no auge de sua forma, 4 anos antes de morrer. E vi Elis em São Bernardo, num primeiro de maio, ao lado de Lula, Djalma Bom e um monte de outros caras ótimos que iriam fundar o PT, cantando Canção da América. Numa época em que ainda tinha muita gente ótima no PT e Canção da América ainda não tinha virado música de formatura de colégio.

Lembro-me, num show em São Caetano, de um mineiro desconhecido que cantava acompanhado do violão. Ninguém conhecia o cara e o teatro estava lotado só porque era de graça. Acontece que o cara era fantástico e eu fiquei de boca aberta com as músicas, o jeito de tocar violão e principalmente as letras das canções. Nunca mais esqueci o nome dele. João Bosco.

Outra descoberta foi num show em São Bernardo. Fui pra ver Toquinho, Vinícius e Maria Creuza. A cantora ficou doente e arrumaram uma substituta. Fiquei vidrado nela e não sabia o que era mais forte, minha emoção pelo seu jeito diferente de cantar ou meu tesão frente a uma mulher de quase 2 metros num vestido branco, longo e transparente. Era a primeira vez que eu via Simone. Comprei seus primeiro discos, que ainda ouço. Pena que ela tenha cedido a um apelo comercial exagerado, a ponto de gravar discos natalinos super oportunistas.

Vi também, muitos shows do Projeto Seis e Meia, em São Paulo, inspirado no Projeto Pixinguinha do Rio, em que 2 músicos de tendências e estilos diferentes dividiam o palco. Lá, no SESC Anchieta, pero da Rua Maria Antônia, vi Elizeth Cardoso, Marlene, Gonzaguinha, Luiz Gonzaga, Dick Farney, enfim, não dá pra lembrar de tudo. Só dá pra lembrar que era emocionante ir toda sexta feira de São Bernardo pro centro de São Paulo pra ver estes shows.

Vi Gilberto Gil no show Refazenda. Vi Egberto Gismonti no show Palhaço, no Guarujá. Vi Elomar, vi Hermeto Paschoal no Tuca, com a Clélia, num show que não terminava nunca. Saímos antes. Como saímos de um show do Toninho Horta, no Centro de Convivência em Campinas, quando a gente ainda namorava. Eu tinha que pegar o último ônibus pra São Paulo. E vi o nascimento do Grupo Rumo, de Luiz Tatit e Ná Ozzetti.

Pensando bem. Acho que não tem mesmo essa coisa de nascer na época errada. Toda época pode ser boa. É a gente que faz a época.

9 comentários:

Unknown disse...

Sabe Arnaldo, essa é uma pergunta que já me fizeram mais de uma vez:

- Bruno, a impressão que nós temos, lendo o que vc escreve, é que vc queria ter nascido em outra época.

E eu sempre digo que não, que nasci na época certa. Cada época tem seu charme, suas qualidades e seus defeitos. No seu tempo (me desculpe se estiver errado) havia a bossa nova, mas havia também a Jovem Guarda. Havia guerrilha, mas havia também ditaduras.

Hoje existe Hugo Chavez e uma nova revolução, pacífica e cultural, contagiando a América Latina toda. Existe um cinema político de qualidade sendo feito na Europa e na Argentina. Existe uma molecada de 20 anos de idade fazendo samba e choro como gente grande (isso não havia há 10, 20 anos. E vamos colher esses frutos nos próximos 10, 20 anos). Ou seja, as coisas estão acontecendo como sempre vão acontecer.

A questão é que NÓS SEMPRE FOMOS MINORIA, seja hoje ou nos anos 10.

Só um comentário: a Guerra Civil Espanhola se deu nos anos 30 e a Guerrilha do Araguaia nos anos 70.

Um abraço

Arnaldo Heredia Gomes disse...

Pois é Bruno. Mas eu iria pra guerra sendo criança?

Pra participar da Guerra civil espanhola, eu teria que nascer na década de 1910 ou na de 1950 pra participar da guerrilha do Araguaia. Senão, eu iria atrapalhar, não é mesmo?

Vivien Morgato : disse...

Arnaldo, o texto ficou muito bacana. Tõ aqui babando nos shows que vc viu.

Anônimo disse...

Você esqueceu de dizer que viu/ouviu Toninho Horta, recentemente, no bar "Aqui ó", em Belo Horizonte, numa viagem a trabalho... (esta, acho, compensou!)

Anônimo disse...

Oi, tio...
Eu também sempre falo pra minha mãe que nasci na época errada... Eu não vi Elis e queria ter visto... Eu não vi os jornais publicarem receitas de bolo na primeira página quando a censura os impedia de publicar a verdade... Eu não vi (e não fiz parte) os estudantes na rua contra a ditadura... (Apesar de a minha mãe falar que jamais me deixaria ir a uma passeata...rs). Eu também não vi o festival de Woodstock... e queria ter visto...
Mas pra quê, né? Hoje eu posso ver a Sandy, a Kelly Key, a Tati Quebra-Barraco... Brincadeira...
O que me consola é que eu vi o Chico.

Arnaldo Heredia Gomes disse...

Bartira

Você viu o Chico e vai poder ver muita coisa mais. Você tem todo o tempo do mundo e as coisas estão aí pra serem vistas, apreciadas, experimentadas. Mas não basta ter o tempo e as coisas ao nosso redor. É preciso ter disposição. A disposição de escolher. A coragem de arriscar, de ir contra a maré, de não não ser igual a todos, só por comodidade.

É como um chorinho antigo do Chico:

"A vida passou na janela. Só Carolina não viu"

Unknown disse...

Arnaldo, vc recebeu meu e-mail? Com o pedido de ajuda para o blog?

Anônimo disse...

Como é difícil escolher uma época...que são várias...escolheria com certeza
estar no espetáculo "Trem Azul", último de Elis...ela estava surreal e máxima! apesar de gravado em Lp, só quem esteve diante dela sabe como foi...
Eu não! :-[

Vivien Morgato : disse...

Arnaldo, cade seu email aqui no b log? escreva pra mim ( lilithvm@hotmail.com) , preciso falar uma coisa pra vc e pra Clélia.