Livros, música, cinema, política, comida boa. Isso tudo e mais um montão de tranqueiras dentro de um baú aberto.

terça-feira, 28 de novembro de 2006

FÉ x VERDADE

Ateu que sou, mas tendo sido criado numa família católica, com direito a alguns dos sacramentos, sempre tive muita curiosidade na figura de Jesus, o Cristo. Mas não o Jesus teológico e sim o Jesus histórico. Interesso-me pelo personagem, assim como me interessa conhecer a história de quem quer que tenha influído na maneira que o mundo é. Sempre tive dificuldade de encontrar textos que tivessem este foco. Finalmente, consegui. Trata-se do livro Jesus – Esse grande desconhecido, do jornalista espanhol Juan Arias.

O livro é muito bem compartimentado e o primeiro capítulo nos convida a refletir como seria o mundo de hoje se não existisse o cristianismo. É interessante refletir a este respeito. Mas não era isso que me interessava. O segundo capítulo, entretanto, vai direto ao ponto. O título já parece uma provocação: Jesus de Nazaré realmente existiu ou é apenas um mito? E é com muita tranqüilidade que o autor, grande estudioso e pesquisador de assuntos bíblicos, nos mostra que, do ponto de vista rigorosamente histórico, não há evidências claras de que este personagem tenha, de fato, existido. À falta de documentos, junta-se o fato de que os grandes historiadores da época, fossem romanos, fossem judeus, tendo deixado farta documentação a respeito de personagens e acontecimentos contemporâneos, não citam a existência do profeta de Nazaré. A única exceção é Flávio Josefo, historiador judeu, muito pouco respeitado nos meios acadêmicos, até porque, na documentação deixada por ele, encontra-se enorme quantidade de incoerências e dados conflitantes.

Na falta de documentação mais confiável, Arias decide utilizar-se dos evangelhos, não só os canônicos, mas também os apócrifos, apesar da enorme quantidade de incongruências encontradas, quando comparados entre si. Analisa cada um dos quatro textos reconhecidos pela igreja, tenta desvendar a identidade de seus autores e parte deles para identificar fatos que possam garantir a existência histórica do messias.

Ressalvando-se que os critérios de investigação e documentação histórica de hoje são absolutamente diferentes dos daquela época e considerando que a igreja católica não se preocupa com a questão do Cristo histórico, mas do Cristo teológico, Juan Arias decide seguir em frente, com as poucas informações que existem. Sua maior argumentação, aliás, é que, numa época em que pululavam centenas de profetas e pretendentes a messias, um personagem cujo discurso tenha sobrevivido e influenciado tão fortemente o mundo, durante 2 mil anos, dificilmente pode ter sido apenas um mito.

A partir daí, baseado nas informações dos evangelhos, o autor faz uma análise muito transparente de como alguns temas como a política, o amor, a paz, a relação com as mulheres e o sexo são abordados por Jesus. E, principalmente, e aí reside o ponto alto do livro, Arias nos mostra o quanto a igreja, já no século II, passa a defender valores e a se comportar de maneira absolutamente contrária ao que pregava Jesus de Nazaré.

O livro mostra, nitidamente, o quanto era clara a opção de Jesus em favor dos pobres e perseguidos e o quanto sua posição era contrária aos interesses dos ricos e poderosos. A postura de Jesus, segundo os parcos documentos existentes, é, claramente, no sentido de defender os desvalidos, os doentes, os mais fracos, as crianças e mulheres, inclusive as prostitutas. A igreja, por sua vez, aproximou-se do poder, tendo sido facilmente seduzida pelo império romano e, ao longo desses 20 séculos, sempre tem se colocado ao lado dos abastados, apesar de eventuais correntes minoritárias, eventualmente, buscarem uma reaproximação com o discurso original. O Vaticano, porém, sempre tem sido muito rigoroso em relação a este comportamento, a exemplo da repressão que faz aos defensores da Teologia da Libertação.

No fim, absolutamente adepto do discurso original de Jesus, o jornalista mostra o quanto os cristãos de hoje estão distantes deste discurso. O quanto as pessoas são pouco solidárias. O quanto elas privilegiam o indivíduo em detrimento do coletivo.

Enfim, é um livro magnífico, que deveria ser lido por todos os cristãos, pelos crentes de todas as religiões e até pelos que, como eu, não acreditam na existência de deus.

Um comentário:

Anônimo disse...

Linda a capa deste livro...