Livros, música, cinema, política, comida boa. Isso tudo e mais um montão de tranqueiras dentro de um baú aberto.

domingo, 12 de novembro de 2006

A vida da Pequena Notável

Ruy Castro é um craque. Bom jornalista e escritor, é no papel de biógrafo que se sobressai. São ótimos seus livros sobre Garrincha, Estrela Solitária e sobre Nelson Rodrigues, O Anjo Pornográfico, além de sua radiografia da bossa nova, Chega de Saudade. Sua biografia sobre Carmen Miranda também é muito boa, principalmente pelo mérito de nos trazer mais do que aquilo que permaneceu na memória brasileira sobre ela. O que ficou de Carmen foi a imagem da primeira artista a fazer sucesso nos Estados Unidos. A história da artista que ganhou muito dinheiro vencendo lá fora, mesmo à custa de emprestar sua imagem a uma personagem estereotipada, da típica latina que não dominaria o idioma inglês nem que vivesse lá por 100 anos. Carmen rendeu-se a esta imposição do mercado, além de ter servido à causa da política de boa vizinhança, imprimida pelo governo americano, à beira da Segunda Guerra. Foi muito criticada no Brasil por isso. Já naquela época e mesmo depois de sua morte. E é disso que trata os dois terços finais do livro.

A parte deliciosa desta biografia, entretanto, é justamente o primeiro terço, que fala dos tempos de Carmen enquanto estava ainda no Brasil. E é deliciosa, nem tanto por Carmen, mas, sobretudo, por mostrar um retrato rico em detalhes de como era o Brasil e, principalmente, a cidade do Rio de Janeiro naquele começo de século XX. Um Brasil que começava a se conhecer musicalmente. É impossível ler esta parte do livro, sem ficar cantarolando os inúmeros sambas e marchinhas que Ruy vai citando ao longo da narrativa. E, enquanto vai nos mostrando Carmen, vai também nos revelando Assis Valente, Custódio Mesquita, Braguinha, Ari Barroso e Caymmi. É um passeio muito rico por uma época de grande afirmação da cultura popular.

O maior defeito do livro seja, talvez, o excesso de idolatria do autor por Carmen. Acredito que seja muito difícil fazer a biografia de alguém a quem não se admira. Estou certo que Ruy Castro é fã de Garrincha e Nelson Rodrigues, assim como da bossa nova. Em relação a Carmen, entretanto, sua admiração beira a tietagem. E com isto, ele exagera nas críticas a quem fazia críticas a ela, sem admitir que algumas delas fossem realmente justas. Ruy foi especialmente cruel com Aloysio de Oliveira, integrante do conjunto Bando da Lua, que a acompanhava. Pinta Aloysio com as cores de um namorado canalha durante boa parte da vida de Carmen. E, por isso, Ruy acaba não conseguindo mostrar algumas qualidades que ele já tinha, à época, como músico e, principalmente, como organizador da sua vida musical e pessoal. Aloysio merece lugar de destaque na nossa música, como produtor e por lançar, praticamente, todos os nomes da bossa nova. Foi também o criador do selo Elenco, que revolucionou o conceito estético da indústria fonográfica brasileira. Como se não bastasse, foi autor de Dindi, Fotografia, Inútil paisagem, Só tinha de ser com você e Demais.

Um segundo exagero do livro é supervalorizar o sucesso de Carmen nos Estados Unidos. De fato, ela fez muito sucesso lá. Ganhou muito dinheiro. Mas sentia uma saudade angustiante do Brasil. Tivesse ficado aqui, certamente não ficaria rica. Mas, tivesse ficado aqui, não teria sido tão infeliz. E não sou eu que digo isso. Quem diz isso é o livro de Ruy Castro.

Um comentário:

Unknown disse...

Arnaldo: não desista de atualizar que sem ser neste domingo, no outro vou recomendar teu blog na minha coluna. Abração!